sábado, 18 de novembro de 2017

Atitudes



Quando eu era catraio, ia sozinho de autocarro para o liceu. Dois autocarros para cada lado, com mudança a meio.
Muitas vezes não embarquei no segundo para poupar o dinheiro do bilhete. Quando o tempo o permitia, eu não estava atrasado e tinha algo em mente para comprar, gulosamente cobiçado nalguma montra. O segundo e terceiro factores eram recorrentes, que sempre gostei de chegar a horas e o orçamento familiar era bem apertado.
Os autocarros de Lisboa de então eram bem diferentes dos de hoje. Verdes, alguns de dois pisos, alguns de porta atrás, aberta por onde se podia subir ou descer em andamento se a velocidade e a coragem o permitissem.
E tinham lotação limitada. Ao contrário de hoje, em que se entra nos autocarros urbanos desde que se caiba, na época apenas viajavam se houvesse lugar sentado ou um dos quatro lugares de pé, bem identificados numa placa à entrada do veículo. Fazíamos sempre contas de quantos saíam e de quantos estavam à nossa frente na fila para entrar, tentando saber se a sorte nos batera à porta ou se teríamos que aguardar pelo seguinte.
E eram velhos, os autocarros. Pelo menos nas carreiras que eu frequentava. Conservados na medida do possível, alguns pediam reforma urgente, muito urgente. O fumo que emanava dos seus escapes e as queixas dos seus motores não deixavam azo a dúvidas.
Nesse meu trajecto escolar, os veículos eram sempre os mesmos nas mesmas horas e carreiras. Já os conhecíamos. Não sei se lhes dávamos nomes, mas já lhes conhecíamos as manhas e dificuldades.
Havia um pedaço numa rua íngreme de maior dificuldade na subida. E um dos autocarros, quando com a lotação completa, recusava-se a fazer aqueles talvez vinte metros. O motor esganiçava-se, rugia, mas não havia meio de subir. Mas já o conhecíamos, bem como a solução.
Em o ouvindo assim, saíamos (era um dos de porta atrás, aberta) e o bom do autocarro, aliviado da carga, lá conseguia vencer a ladeira. Parava no cimo, regressávamos ao seu interior e seguiamos viagem.
Interessante factor, quase que impossível nos dias de hoje, é que regressávamos todos aos mesmos lugares que ocupávamos. E quem ia de pé, de pé continuava. Sem protestos e, por vezes, com algum humor entre todos, cobrador incluído.


A imagem? Roubada da net, um desses autocarros de porta atrás, fotografado, suponho, aquando da construção do metropolitano de Lisboa, uns bons anos antes da história contada.

By me

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