sábado, 11 de março de 2017

Aprendiz



Há uns bons anos, numa das minhas idas mais ou menos regulares a Barcelona, levei comigo uma sobrinha adoptiva.
Uns meses antes, aquando de um jantar com os seus pais, amigos de longa data, virei-me para ela e perguntei-lhe: “Como é? No verão queres ir comigo a Barcelona?”
Ficou a olhar para mim com cara de tola, os pais a rirem da brincadeira mas, nesse Setembro lá estivemos, 10 dias a ver e viver o possível para ambos.
Um dos locais onde não podia deixar de a levar foi o Museu Picasso. Ainda que não possua as principais obras do génio, cobre toda a sua vida, todas as suas fases, tendo, entre outros, muitos trabalhos da sua infância e esboços de trabalhos maiores e famosos.
No final, perguntei-lhe sobre o que mais havia gostado, entre o que tinha visto e aquilo que eu lhe tinha conseguido explicar.
A resposta foi bem clara, para quem tinha onze anos à altura: “Das pinturas de quando ele era criança e pintava como as pessoas!”

Vem esta estória a propósito de ver e ouvir dizer que não se gosta de regras e convenções.
Posso presumir – e saber – que Picasso, Miro, Dali e tantos outros também não gostavam de regras e convenções e que, quando partiram para o seu estilo próprio e inovador, foi uma tentativa de quebra com todas elas.
No entanto, qualquer um deles dominava, ou tinha dominado, as formas de representação plásticas convencionais, de acordo com as regras estéticas em vigor.
Não apenas porque as estudaram e aprenderam como, querendo expressar os seus próprios sentimentos e emoções e que eles fossem entendidos por outros, tiveram que recorrer às convenções, códigos e regras existentes.
O que aconteceu foi que a dado passo se sentiram insatisfeitos com o que faziam, pois que não o interpretavam como representando o que lhes ia na alma. Partindo das convenções, começaram a inovar, variar, quebrar as regras e códigos estéticos instituídos até encontrarem uma outra linguagem. Onde eles próprios se reconhecessem e que outros, com sentimentos na mesma linha, os reconhecessem e aos seus sentimentos.
Por outras palavras, num círculo de comunicação restrito, criaram outras e novas formas de comunicação, com outras e novas regras e convenções.
Porque, na total ausência de regras e convenções, a comunicação não existe, já que quem vê não entende quem pinta (fotografa, compõe, filma, dança…)
Indo mais longe, o simples facto de nos exprimirmos define uma convenção ou regra, já que o seu autor convenciona ou define que aquele gesto, aquela cor, aquele som ou aquela organização de espaço corresponde a um dado sentimento seu. É um ícone ou a substituição de algo impalpável por algo material ou não, visível ou audível.

Aquilo que eu gosto de ouvir ou ler é, antes sim, que não se gosta destas regras ou convenções. Porque não satisfazem, porque não correspondem aos sentimentos ou porque representam uma geração com a qual se quer quebrar amarras e criar distância. Ou ainda porque essas regras ou convenções nos sufocam e prendem, aspirando nós a outros voos.
É isto que gosto de ler ou ouvir, principalmente se seguido por algo nesta linha:
“Não gosto disto, não me satisfaz, não me identifico com estas regras, convenções, linguagem! Vou partir e encontrar o meu próprio caminho, a minha própria forma de expressão, as minhas próprias regras, convenções, códigos!”
Quando oiço ou leio isto, a minha reacção é sempre a mesma: “ Aleluia! Mais um que aprendeu a pensar e que nos vai ensinar algo de novo! Deixa-me aprender contigo!”

Porque enquanto por cá andar serei sempre um aprendiz. E é tão bom!...

By me

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