quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Aparências



Um destes dias no comboio, um fulano aí com uns vinte e poucos estava meio perdido. Não sabia se estava no comboio certo nem onde fazer a mudança. Pediu-me ajuda e eu lá lhe expliquei a melhor forma de ir para onde queria.
Passado um nico pergunta-me ele:
“O senhor é artista?”
Estranhei e disse que não, naturalmente.
“Então é escritor. Ou pintor.”
“Também não. Mas porquê?”
“Com esse ‘look’, essa barba, esse cabelo…”
“Repare”, respondi sem perdoar, “Encontra gente com barba e cabelo como o meu entre os ciganos; encontra gente com barba e cabelo como o meu entre os indús; encontra gente com barba e cabelo como o meu entre os sikh; encontra gente com barba e cabelo como o meu entre os sem abrigo. Mas a nenhum pergunta se é “artista”. Se o pelo ou a roupa fossem definidores de condição ou profissão… Olhe (tínhamos parado numa estação): está a ver aquele polícia? O que está sem boné? Apesar de ser de Segurança Pública, sei eu que é dos que gosta de bater sempre que pode, que já o tenho visto a actuar. E, no entanto, está de farda.”
Riu-se a medo e eu voltei para o livro que tinha nas mãos.
Faz-me doer a alma a quantidade de gente que vive de e para as aparências!


É que, e apesar do que aparenta, o tempo não parou.

By me

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