domingo, 14 de agosto de 2016

Pérolas



Entretido que vinha a ler, nem me apercebi da chegada à estação do meu bairro. Quando levantei os olhos do livro, já as portas do comboio se fechavam, deixando-me com a solução única de descer na seguinte e apanhar um táxi de volta, que a noite já não era jovem, o trajecto longo e o cansaço bastante.
Quando, já desembarcado, cheguei à praça de táxis, uma mulher, na casa dos trintas, com uma criança pequenita, encostavam-se à parede, tentando em vão proteger-se da aragem promovida a vento que arrefecia os corpos, em contraste com o valente calor do dia. E se a maior tiritava, a pequena optava pela estratégia comum naquelas idades: saltava, abanava-se, saracoteava-se, tentando que o sangue, em correndo, a aquecesse.
Dei a saudação e perguntei se esperavam um táxi, que primavam pela ausência. O que também não estranhava, já que a noite era o que era e Agosto estava em plena maturação. Anuíram, que certamente não estavam à espera do horário de abertura da farmácia uns vinte metros mais além. E deixei-me ficar, ignorando a aragem, que a camada adiposa me protegia. Sem mais palavras trocadas.
Estaria quase a chegar o comboio seguinte e eis que surge um táxi. Um apenas, que me iria deixar solitário na escuridão da noite e na esperança que houvesse mais motoristas a trabalhar àquela hora e em mês de férias.
Abrindo a porta e empurrando a pequenita para o interior, diz-me a mulher: “Vai para São Carlos?”
Pois eu não ia, seguindo mesmo a direcção oposta.
Mas a invulgaridade da oferta alumiou a minha noite. Em mais de vinte anos de uso habitual daquela praça em circunstâncias semelhantes, não me recordo de ter ouvido tal pergunta com a implícita proposta de boleia.

E porque a noite estava escura, que os candeeiros por ali não abundam, não consegui fixar as suas feições de igual tom. Mas ficou a alvura daquele coração, qual pérola rara, a brilhar bem mais que os faróis do carro que se afastava.

By me

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