domingo, 7 de agosto de 2016

Disciplinas



É sabido que a gente jovem é tanto mais indisciplinada quanto mais criativa for. Suponho que seja a vontade de querer fazer diferente que os leva a não respeitarem ordem ou organização.
É papel do pedagogo saber gerir isso, dando folga ou apertando consoante as ocasiões, e aproveitando essa criatividade em prol da aprendizagem.
Uma ocasião trabalhava eu com uma dessas turmas. Particularmente “criativa”. Os epítetos com que era mimoseada na sala de professores começavam em “terrorista” e subiam de tom numa escala geométrica.
Por mim, a coisa ia andando, umas vezes com maior facilidade, outras nem tanto, mas sempre sem conflitos disciplinares, que a cumplicidade entretanto criada entre nós assim o permitia.
Um dia…
Bem, um dia estava a turma bem mais irrequieta que o habitual. Falamos de gente entre os 15 e os 17 anos e, suponho, as hormonas deveriam estar ao rubro.
Eu bem que chamava por eles, no geral ou nominalmente, levantava o tom de voz ou era mais incisivo no vocabulário. De nada servia. Dois, três minutos depois aqueles e aquelas lá de trás voltavam ao mesmo, perturbando mesmo o trabalho dos restantes. E o meu.
Já quase sem soluções, fiz um gesto que me é habitual: apalpei os bolsos, como se a alternativa ali pudesse estar esquecida. E dei com um objecto meio perdido num dos bolsos do colete.
Comprado havia dias para umas fotografias ainda não efectuadas, um apito como este.
Olhei para ele, guloso e receoso ao mesmo tempo, e pousei-o na secretária a meu lado, enquanto continuava o trabalho com a turma. Volta e meia olhava para ele, o meu lado bom a refrear-me, o meu lado mau a instigar-me. Acabou por ganhar este.
Pegando nele, e enchendo em pleno os pulmões, soprei-lhe bem forte. Muito forte mesmo. Tão forte que me ficaram a doer os ouvidos.
O silêncio que se fez na sala foi apenas comparável ao que talvez exista num sepulcro, com todos a olharem para mim como que não acreditando no que acabara de acontecer.
Num tom de voz um pouco mais baixo que o habitual, perguntei para a geral se poderíamos continuar ou se haveria algum motivo para terminarmos por ali.
Continuámos, naturalmente.
Mais tarde, na sala de professores, todos se perguntavam sobre o que acontecera, já que o bendito apito fora ouvido e bem em tudo quanto é lado. E, apesar das conversas, perguntas e suspeitas, nunca me dei por achado, abrindo a mão e exibindo a arma do crime. 
Naquela turma a coisa funcionou durante uns tempos.
Quando os do costume “se esticavam”, sem mais maldade que a sua juventude, os restantes refreavam-nos com um “Eh pah, olha o apito do stor JC”, meio sérios, meio a rir. E a coisa acalmava, percebendo todos que as loucuras e indisciplinas são saudáveis mas só até certo ponto.
E somos nós que definimos em conjunto qual o ponto que nos convém, no respeito e tolerância recíproca que o vivermos em grupo implica.

By me

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