sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Militâncias



É um assunto que, volta e meia, surge em conversa: activismo, militância, cidadania… coisas destas.
Alguns avançam, e bem, com questões de fundo, com teorias políticas, com ideais de sociedade. Com opções de futuro cuja construção, hoje, é penosa e difícil. E, sendo-o, acabam por ir adiando.
Mas eu tenho para mim que, e para além das questões de fundo, das grandes opções ideológicas, mesmo das revoluções, tudo isso se constrói, também, nos pequenos nadas do quotidiano, nas mudanças de mentalidade. Com conversas e discursos de café ou de trabalho, com exemplos, com práticas diárias.
E porque surgiu em conversa com um casal desconhecido, no regresso a casa de comboio, aqui fica uma dessas práticas, velha de muitos anos na minha rotina.

Em havendo falha na energia eléctrica no meu prédio, a primeira coisa que faço é ir verificar se alguém ficou preso no elevador. Não que tenha a chave para a abrir, mas antes porque uma conversa sempre pode acalmar alguma histeria.
Verificando que não, regresso a casa e desligo o que posso desligar. Sempre evito, com isto, o pico de corrente do regresso. E sempre são alguns watts a menos na rede logo no início. Facilita a vida a todos e à rede de distribuição.
Por fim, e se for de noite, vou buscar um saco que tenho na cozinha, enfio o casaco e o chapéu, pego no tabaco e numa lanterna e desço para a porta do prédio. Onde me deixo ficar até volte a electricidade ou me parecer que mais ninguém está de regresso: meia noite e tal, uma hora.
O que faço ali? Por um lado a presença de alguém na rua, na escuridão de um bairro dormitório sem energia, e com uma lanterna na mão, é dissuasor do roubo de automóveis. Mesmo sendo um facto conhecido que eu não possuo nem carro nem carta de condução.
Por outro lado, vou oferecendo cotos de vela aos vizinhos que chegam. A maioria não tem como alumiar as negras escadas até casa e, alguns, nem luz alternativa dentro dela. Oferta mesmo, sem nada pedir de volta.
Bem, alguns perguntam-me como me podem devolver o que sobrar, ao que lhes digo que na caixa do correio será bom, desde que apagada, claro.
Um dia, alguns dias depois de um desses apagões, tinha na caixa do correio um pacote de velas novas, que algum vizinho comprou e ali deixou. Vitória minha. Não p’las velas mas p’lo seu gesto e lembrança.
Creio que são estes pequenos gestos que se opõem frontalmente a esta sociedade competitiva até à demência em que vivemos. E que, de algum modo, demonstram que é possível outras formas de estar e de interagir com os demais.
Acredito que estas pequenas atitudes sirvam de exemplo para que outros as repliquem ou reinventem com vantagem, humanizando aquilo que se tem vindo a transformar em relações frias e calculistas.


As revoluções ou mudanças, mais que decretos ou confrontos, necessitam que sejam interiorizadas por quem as praticam, bem para além dos discursos inflamados e da prática da democracia.

By me

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