quinta-feira, 20 de agosto de 2015

A tirania das redes e dos media



Leio num jornal diário nacional que Fulano de Tal foi localizado.
De acordo com a notícia, a companheira de Fulano, ao constatar que ele não regressara, deu o alerta na polícia e criou-se um grupo no Facebook para o encontrar.
A notícia refere o nome e a profissão de Fulano, a sua zona de residência bem como onde foi encontrado e publica uma fotografia de Fulano.
A notícia não diz, porém, em que circunstâncias foi encontrado: se falecido, de doente, se raptado ou se tudo bem.
Não nos diz se o seu desaparecimento foi acidental ou propositado.
Mas diz-nos muito de Fulano, incluindo uma identificação fotográfica.

Partamos do princípio, e como mero exercício, que Fulano desapareceu do meio em que vivia (companheira, amigos, conhecidos, trabalho, redes sociais) por vontade própria.
Trata-se de um adulto, que não tem que dar justificações a ninguém sobre o seu paradeiro. Não está sob investigação judicial nem sobre ele existe um qualquer mandato de detenção.
Qual é, então, o direito de desconhecidos lançarem um alerta público e bem difundido nas redes sociais sobre o paradeiro de alguém que não esteve em situação de perigo? Qual é, então, o direito de um jornal em vir contar a público que Fulano deixou de ser sabido nos meios que frequentava e que acabou por ser encontrado?
Pode-se assim violar a privacidade de uma pessoa? Pode-se assim atirar para o mundo a vida de um qualquer cidadão? Pode-se assim, pela exposição pública, forçar alguém a regressar a casa?

Nas redes sociais é frequente aparecerem pedidos de ajuda para que se encontre esta ou aquela pessoa, com este ou aquele motivo. E os frequentadores das redes, na sua ânsia de fazerem algo de positivo, metem o nariz onde não são chamados, divulgam para todo o sempre que alguém esteve desaparecido. Melhor: que algumas pessoas não sabiam do paradeiro daquele sobre o qual lançaram o alerta. A maioria dos que assim procedem nem sequer conhecem a pessoa ou os seus amigos, limitando-se a replicar uma página sem sequer investigar um pouco da sua veracidade ou circunstâncias. Ficam assim uns milhares de pessoas a saber sobre a vida privada de alguém que, por este ou aquele motivo, terá decidido fazer tábua rasa da sua vida até então ou mesmo ter uma escapadinha seja lá pelo que for.

As redes sociais, com esta situação e outras, violam sistematicamente a privacidade dos indivíduos. Os jornais, na procura sempre insatisfeita, de aumentar as tiragens e os lucros, não olham a meios para tal.
Pense duas vezes, muito seriamente, antes de divulgar uma notícia ou página sobre o desaparecimento de alguém.
Talvez que esteja a fazer bem mais mal que bem.


A fotografia? Bem, é a publicada no jornal em causa, mas com o acréscimo de as feições terem sido por mim anuladas.

By me

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