sexta-feira, 10 de julho de 2015

Um olhar - Miguel





É sabido que um dos géneros fotográficos mais difíceis é o retrato.
Não tanto por questões técnicas ou estéticas, mas porque conseguir retratar a “alma” do retratado, aquilo que está atrás da pele, é mesmo coisa dura de fazer.
Alguns fotógrafos são geniais e conseguem-no sem esforço. Algumas pessoas são acessíveis e permitem-no sem barreiras. Mas para a maioria de uns e de outros a coisa é complicada.
Mais complicado se torna quando falamos de crianças.
A sua timidez ou receio do desconhecido, por um lado, ou sua curiosidade insaciável por outro, tornam o retrato infantil coisa “infernal”. Ou bem que não estão quietos para a pose ou luz que queremos, ou bem que assumem uma rigidez assustadora, nada natural.
Nos tempos em que o digital era só o da impressão do dedo no BI e nos ficheiros policiais, a coisa era um pouco mais difícil, já que haveria que considerar a quantidade de fotografias feitas por sessão, controlando o seu gasto e respectivo custo. Para nem falar na interrupção para recarregar a câmara.
Nessa época contou-me um mestre algumas das técnicas que usava para conseguir alguma descontracção por parte da criança e obter o “boneco” que queria.
Uma delas passava por uma cumplicidade com o modelo. Levava com ele outra câmara, passível de acidentes mas leve no peso, e passava-a para as mãos do pimpolho, propondo-lhe um jogo recíproco de fotografia. Algumas crianças, se em idade disso, alinhavam na brincadeira e ao fim de um pedaço ganhava-se a confiança necessária para a cumplicidade do retrato.
Outra técnica era “vencer pelo cansaço”. No meio de um conjunto de brinquedos e novidades, fartava-se ele de “dar ao gatilho”, enquanto a criança lhe ia dando atenção, “fazendo-se” à câmara ou fugindo dela. Passado um pedaço, e sendo o fotógrafo, a câmara e as luzes já conhecidas, virava-se ela para os brinquedos, deixando de prestar atenção a quem ali estava. Era o momento de colocar o rolo na câmara e fazer o trabalho.

Tentei algumas vezes estas abordagens, mas sem grande sucesso. Culpa minha, certamente, que as imagens que ele trazia demonstravam que funcionavam.
Felizmente veio o digital, com a sua ausência de limites na quantidade e a sua facilidade na pós-produção. 

By me

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