segunda-feira, 20 de julho de 2015

Calçada



Quem anda empertigado e de nariz no ar corre o risco de pisar o que não quer.
Por outro lado, quem passa o tempo de nariz no chão não vê pássaros nem estrelas.
Procuro ser um pouco dos dois, não deixando também de olhar para a frente e para os lados.
Aliás: nas manifestações que vou fotografar, um pedaço do tempo caminho de costas, no meio da multidão, tentando encontrar algo que me interesse no que se passa no lado oposto ao meu nariz.

Foi assim, neste não deixar de olhar, que dei com este pedacinho de calçada.
O passeio é grande, umas centenas de metros, e eu já tinha percorrido talvez um terço. O resto do caminho foi feito com particular atenção, não fora encontrar algo de semelhante. Não encontrei.
Tal como não encontrei uma explicação plausível para este invulgar de arranjar as pedras na calçada que não fosse recuar uns anos valentes e recordar-me do que me foi contado e dos exemplares que vi.
Contou-me quem investigou o assunto que os antigos mestres calceteiros, em terminando a obra, deixavam uma assinatura. Não o seu nome ou mesmo as suas iniciais. Apenas, e ponham-se aspas no apenas, pequenos e singelos desenhos de pedra branca na pedra branca, cada um correspondente a um mestre e que ninguém copiava. Os aprendizes, serventes e outros cargos intermédios, que não os de mestre, inventavam desenhos mas guardavam-nos para serem usados quando atingissem a mestria ou a oportunidade de a demonstrar.
Tive o raro prazer de ver dessas assinaturas espalhadas pela cidade: na zona de Alvalade e na zona do Castelo. Discretas, sempre colocadas em locais não muito pisados, primavam pela singeleza e identificação.
Mas a fúria dos cabos e canos enterrados fizeram levantar calçadas inteiras e essas que conhecia foram destruídas. Espero que existam outras. Sei que existem outras! Mas nem desconfio onde.
Resta-me como explicação que este desenhos, mais definidos pelos interstícios que pelas pedras, sejam as ou a assinatura de mestres calceteiros.
Que este passeio calcetado conheço-o eu há quase tanto tempo quanto o que me conheço e não me recordo de o ver levantado e em obras.


Da próxima vez que caminhar nas ruas de Lisboa ou arredores, preste atenção às pedras da calçada que pisa, agora ameaçadas de extinção. Quem sabe se não irá encontrar um pedaço raro?

By me

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