quarta-feira, 22 de julho de 2015

A porta



Armazém? Templo? Entreposto? Fábrica?
De tudo um pouco e muito para além disso!

Quando conheci esta porta não era a única com este formato e tamanho na zona, como hoje.
Eram vários os edifícios, de cores e volumes semelhantes, que se espraiavam no terreno, ligados por arruamentos ladeados por sebes. Recordo que algures por ali existia uma piscina. E recordo ter-me sido dito, com uma veemência impossível de contestar por um petiz como eu, que nem pensasse em mexer na água, de parada e imprópria que estava. Mas existia.
A porta que então, há uns cinquenta anos, cruzei não seria esta. A mais de meio século de distância, a sua monumentalidade teria ficado gravada para sempre na memória. Mas recordo a enormidade do espaço interior, o ser escuro, muito escuro, apesar das fortes e muitas luzes no tecto. E recordo as salas técnicas, bem mais pequenas, repletas de estranhos e complicados aparelhos.
Muito curiosamente, e porque não haverá nenhum motivo especial para isso, recordo um nome, ou marca, gravado nas tampas das máquinas: EMI.
Passaram muitos anos antes de eu saber o que esse nome significava. E de eu mesmo ter usado essas máquinas, apesar de em fim de vida e noutro local. Que se petiz era quando as conheci, foi como aprendiz no ofício que saíram de serviço. Os “Orticon” passaram a “Plumbicon”, o monocromático passou a RGB, os “Beams” e os “Targets” passaram a “Convergências”, “Gammas” e outros que tais.

E o espaço e a porta?
Só ocasionalmente foram ocupados pela electrónica. O seu destino original fora a película e foi essa a ocupação maioritária do que aqui aconteceu.
E se surgiu em 1932, fechou portas definitivamente em 2012.
Da actividade cinematográfica deste complexo que terminou com um só edifício, pouco ou nada sei na primeira pessoa.
Sei, antes sim, que durante três épocas consecutivas, no início dos anos ’90 e quando o sol era propício às rodagens no exterior, esta porta foi a minha entrada e saída diária, junto com tantos outros, para aquilo que encheu o imaginário de tantos milhares de crianças deste país: a Rua Sésamo.
Foi atrás desta porta que o Poupas, o Ferrão e a Gata Tita tiveram corpo e alma, que se passearam da oficina do André para a cozinha da avó Chica, passando pelo barril onde floresciam os agripinos, a papelaria, a mercearia do senhor Almiro…
Foram muitas as formiguinhas que deram vida a este imaginário e orgulho-me de ter sido uma delas.

Esta porta é a de um armazém, de um templo, de um entreposto, de uma fábrica.
É a do último dos estúdios da Tobis, em Lisboa, e dela saíram muitas risadas, lágrimas, sonhos e horas de felicidade. Em película e em televisão.

É meu privilégio dizer que ajudei a que acontecesse.

By me 

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