quinta-feira, 7 de maio de 2015

Livros e leituras





Aos treze anos eu era um consumidor de livros compulsivo. Lia tudo o que me aparecia.
De Enid Blyton a Júlio Verne, de Dickens a Tolstoi, de Júlio Dinis a Castelo Branco, de Walter Scot a Sevenson, lia de tudo, desde que lhe jogasse a mão. Aliás, tendo esgotado os permitidos, fazia incursões aos outros, como a colecção Argonauta ou a Vampiro.
A leitura era, então e entre nós na rua, a actividade complementar ao liceu e aos jogos de bola, aos aviões de balsa e às corridas de bicicleta. E a chegada do aniversário de um era uma alegria colectiva, já que significava a chegada de um ou mais livros que, depois de lidos pelo ofertado, andariam de mão em mão pelos demais.
Acrescente-se que mesmo as estantes dos pais de uns era terrenos a explorar por todos. Numa partilha fraterna e alegre, quase que sem limites.
Não li o “Livro de Pantagruel”, que por qualquer motivo nunca me atraiu. E não consegui jogar a mão ao “Manual da guerrilha urbana” escondido que estava na casa de um companheiro de rua. Só muito mais tarde o li.
Claro que isto acontecia numa época em que a televisão tinha hora de abertura e fecho, era a preto e branco (passou a cores pela minha mão) e aos domingos tínhamos o TV Rural e a música para jovens, que eu via.

Não devo e não faço avaliações aos outros pela minha própria vivência. Condições diferentes, épocas diferentes, culturas diferentes. Mas se há coisa de que não gosto é de que chamem estúpidos os jovens. Garantidamente que não gosto!
E é o que se está a passar com uma editora deste jardim à beira-mar plantado e mal amanhado.
Integrou o plano nacional de leitura o livro “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar”. Da autoria de Luís Sepúlveda, é uma fábula bonita, leve de ler e com múltiplos níveis de interpretação. O que ajuda a fazer dele um excelente livro.
Foi classificado para o 7º ano de escolaridade, para jovens algures entre os doze e os treze anos. Faz sentido.
Já não faz sentido é que a edição agora no mercado esteja pejada de ilustrações!
Belamente feitas, bem a propósito da história contada, têm um efeito bem nefasto para jovens leitores: bloqueia-lhes a imaginação, ficando eles com uma imagem mental do descrito baseada nas ilustrações.
Ora acontece que uma das belezas da literatura é exactamente o deixar à imaginação do leitor o complementar o não descrito com as suas próprias vivências, memórias e capacidade criativa. O cinema, a chamada sétima arte, tem a desvantagem de o não deixar, a menos que o seu autor seja um mestre. E sabemos não haver tantos assim.
Por jovens, na idade de descobrir a leitura pela leitura, em que o estimular a imaginação e a capacidade de interpretar o que lêem é vital para o seu futuro enquanto estudantes e enquanto leitores…
É passar-lhes um atestado de estupidez!
Mais ainda, ao colocar-lhes nas mãos livros ilustrados como se para crianças do primeiro ciclo se tratassem é chamar-lhes crianças pequenas. Coisa que, é sabido, todo o jovem detesta! Aliás, nenhum ser humano gosta de ser menosprezado nas suas capacidades.

Sabemos que a importância da leitura e do livro, tal como outras actividades, vai perdendo peso face a outras vias electrónicas de entretenimento e saber.
Mas incentivar a leitura e o seu prazer nivelando os leitores e aprendizes de leitores por baixo, passando-lhes um atestado de menoridade, não é certamente a melhor forma de o conseguir. 

By me

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