quarta-feira, 20 de maio de 2015

Levantando os olhos





O quadrado, o triângulo, o circulo e a irregularidade temporal
ou
As formas perfeitas no confuso tempo de uma perspectiva pessoal  

Quando estou sentado na minha mesa de trabalho, em casa, e levanto os olhos dos ecrãs de computador, dou com isto: dois objectos pendurados, entre alguns outros.
Não nasceram ali nem ali estão por acaso. Nada disso.
O da esquerda tem uma história bem antiga, recuando duas gerações, e está ali para que nunca disto me esqueça. Conheço-o há quase tanto tempo quanto conheço as letras.
O da direita é francamente mais novo: tens uns vinte anos na minha mão.
Quando o vi apaixonei-me de imediato por ele: um relógio em triângulo é a antítese do conceito do ciclo temporal. Com o acréscimo de, neste, o tempo ainda ter ponta por onde se pegue, enquanto que se for redondo nem isso.
Também não é por acaso que está de pernas para o ar. Foi uma questão de engenharia doméstica, o poder pendurá-lo de onde está, mas também um símbolo, já que cada instante é um ponto no contínuo que somos, mostrando-o inequivocamente com o seu vértice inferior.
Por acréscimo, saiba-se que cada ângulo interno deste relógio tem tantos graus quantos minutos tem uma hora.

Mas tem este relógio outra característica, esta definida por mim: nunca o acerto.
Está ele sempre afinado pela hora de Inverno que, gostemos ou não, é a hora legal mais próxima da hora solar. E não adianta dizerem-me o contrário: a hora solar é bem mais importante nas nossas vidas que a hora arbitrária, ajustada em função de questões comerciais pouco claras.
Indo mais longe, nunca está rigorosamente certo com a hora legal de Inverno. Mantenho-o uns minutitos adiantado. Poucos mas alguns, mania minha.
Assim, e de cada vez que para ele olho em busca de uma referência temporal, obrigo-me a pensar no tempo, no lugar de apenas constatar quanto falta para ou quanto já passou desde.

Aconteceu-lhe, há uns dias, um percalço regular: a valente pilha que lhe fornece energia esgotou-se. E parou, naturalmente.
Este inconveniente temporal deixou-me num dilema ainda por resolver: devo eu substituir a pilha? Em o fazendo, devo ajustar o que marca pela hora de Inverno ou acompanhar os ditames legais?
Habituado que estou a olhar para ele, já que está num local estratégico, de cada vez que os meus olhos nele incidem digo de mim para mim “Ah, é verdade: ele está parado!”, e vou à procura de outra informação. O que me leva a que, de cada vez que olho para outro contador de tempo – o de pulso, o do PC, o do telelé – fique com a referência da hora que é e não da sua relatividade. Bem mais que em buscando informação na triangulação do círculo que este me dá.

A embalagem com as pilhas novas, carregadinhas, está ali ainda por abrir, que a fui buscar no dia seguinte.
Mas ainda não tive coragem de interromper o contínuo do tempo parado num triângulo equilátero.

By me

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