quarta-feira, 8 de abril de 2015

Céu de chumbo



Era aquela hora em que as cores ficam sem importância. Ou, melhor ainda, ficam com a importância que a nossa memória lhes atribui.
Para tudo reforçar, o céu cor de chumbo ameaçava com os quintos dos infernos, ainda que frios e molhados.
O jantar fora poucos minutos antes, numa corrida e na altura disponível entre duas tarefas. Corrida essa um nico acelerada para que me sobrasse o tempo necessário para um cigarro inteiro e saboreado. Nem sempre é possível.
Degustando o cigarro que emitia um fumo quase igual ao céu, vejo voltejar lá em cima um daqueles seres alados que não abundam na cidade: um morcego.
Daqueles pequeninos, cuja frequência do batimento de asas, só de ver, nos deixa cansado. Suponho que o seu voou errático lá em cima, garantidamente em segurança em relação a árvores ou edifícios, se prendia com eventuais insectos que por lá existissem.

Fui enxotado deste momento de contemplação perfeita por uns pingos, leves e rarefeitos mas que pressagiavam aumentar de frequência e tamanho.
E retornei à caverna escura onde a relação com a realidade se restringe às imagens que dela ali se projectam. Tal qual a clássica caverna de Platão.
Por vezes temos que fazer coisas que nos desagradam profundamente. Que bem preferia a chuva, os morcegos e o lusco-fusco em fim de vida que a realidade virtual e nefasta em que sou a colaborar, qual cúmplice de pecado mortal.


Adenda: aquele pontinho preto, quase invisível no extremo direito, é o referido morcego, captado por mero acaso.

By me

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