quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O fim



Por vezes são os ditames da sorte que nos conduzem às situações.

O dia acabou cedo. Para aproveitar a respectiva luz, decidi ir de passeio para um bairro que conheço desde a meninice. No deambular, dou comigo em frente ao café/restaurante onde me encontro. De seu nome “Nova Bagdad”, tenho dele uma recordação indelével.
O meu caminho para o liceu passava, de quando em vez, pela sua porta. Acontecia quando decidia sair do autocarro umas paragens antes e fazer o resto do caminho a pé. Poupava, com isso, uns trocos no preço do bilhete.
Pois antes das oito da manhã, em frente a este café, faziam fila os garotos, novitos ou não tanto, de um bairro de lata que havia na zona.
E a razão era simples: aquele estabelecimento dava todos os bolos que sobravam da véspera. Dava-os antes de abrir a porta aos clientes.
Duas coisas aconteciam com isto: os clientes sabiam que ali só se vendiam bolos do dia, frescos, e a criançada que não os podia comprar tinha uma ou duas guloseimas garantidas.
Não consigo descer ou subir esta avenida sem disto me lembrar, de um tempo em que não havia ASAEs e quejandos e em que a solidariedade era real e prática.
Pois hoje não foi diferente e, sentindo um ratito, decidi entrar e regalar-me com um dos seus bolos, regado com um café cheio.
Na mesa ao lado estão três velhotes, residentes aqui no bairro, à conversa no abrigo da loja, no conforto de um cálice de Porto e no alívio de trocarem notícias do bairro. Muito mais humano que as pesquisas na net e as pantalhas iluminadas.
Pois oiço um deles comentar que um dos estabelecimentos de restauração e pastelaria mais antigos do bairro irá fechar portas no final deste mês.
Doeu-me! Doeu-me fundo no coração!
É mais um dos sinais de retoma de que o nosso glorioso governo fala, certamente.
Ainda restam alguns de outros tempos que, com maior ou menor modernidade, se foram adaptando. Sabe-se lá com que sacrifício empresarial e laboral.
Mas este, além da falta que fará, irá colocar mais unas dez a quinze pessoas no desemprego. O tal índice que o nosso estimado governo diz estar a diminuir.
Ficarei sempre sem saber se o país que eles governam será o mesmo em que vivo.
Em termos de gesto final, creio que lá irei hoje, pela última vez, jantar.

Mesmo contra a vontade e discursos de alguns bandalhos.

By me 

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