segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Lembro-me



É espantoso a quantidade de coisas de que nos lembramos ao olhar para um trabalho nosso feito há muito tempo.
Esta fotografia foi feita no início dos anos oitenta, quando eu tinha que lutar com a mobília da casa familiar para conseguir ter espaço para fotografar. Ainda tenho esse tipo de lutas, agora com a minha própria mobília.
Lembro-me de ter usado uma Linhoff Kardan Color 4x5, com uma Xenar 150mm f/4,5, com diapositivo Agfachrome balanceado para luz artificial. Tinha comprado a câmara para fazer trabalho de publicidade e, se bem me recordo, deixei de o fazer devido a divergências de questões estéticas com alguns directores de publicidade. Agora acho que eles tinham alguma razão, mas eu era puto, então.
Lembro-me de esta fotografia ter sido feita por desafio. A ideia, entre nós naquele grupo de jovens entusiastas da fotografia, era publicitar qualquer coisa, mais pelo seu uso que pela marca.
Também me recordo de a garrafa não ter fundo. Retirei-o recorrendo a óleo e um ferro em brasa, uma técnica que nunca tinha usado anteriormente. Tinha mais duas garrafas de reserva. Para a fotografia, ela estava segura fora do enquadramento enquanto se deitava o líquido pelo fundo para que escorresse pela boca na direcção e quantidades requeridas. Usei água, claro, que não iria desperdiçar vodka numa coisa destas.
Lembro de não ter usado verdadeiros cubos de gelo. Eles derreteriam no processo, devido ao calor existente provindos das fontes de luz. Usei, em sua substituição, cubos feitos por mim, numa mistura de gelatina culinária incolor e água e moldados no congelador.
Lembro de não ter dinheiro para um fotómetro pontual Gossen, que haveria de medir a luz no próprio nível da película numa câmara de grande formato como esta. Tive, assim, que usar o meu fotómetro externo e para luz incidente Seconic e o meu spotmeter 1º Pentax. Ainda os tenho e continuam a ser muito fieis.
Lembro-me de ter feito apenas uma fotografia, estando absolutamente certo dos resultados, ao contrário do que se faz hoje, com câmaras digitais.
Lembro-me de sonhar ter umas “costas Polaroid”, que me permitiriam fazer imagens de teste antes da imagem final, mas não ter acesso a isso, já que não havia disso à venda por cá e eram particularmente caras. A única vez que as usei foi-me emprestado por um compincha que trabalhava numa escola de fotografia.

Aquilo de que não me recordo, de todo, é onde está guardado o original desta imagem, um diapositivo 9 por 12 centímetros. Já procurei, procurei, procurei, e o único que encontro é esta cópia impressa. Re-enquadrada como o pedi então, já que as proporções que aqui se vêem não correspondem ao formato original.
No entanto, recordo como se fosse ontem, a satisfação de a fazer. Tal como a satisfação de a olhar na semana seguinte, ao vir do laboratório.

A memória pode pregar-nos estas partidas. Mas certo é que, bem mais importante que ter é fazer.

By me 

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