quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Eu não sou Charlie





Apetece-me ser politicamente incorrecto!
Num momento em que sei haver uns milhões de pessoas a afirmarem-se com “Eu sou Charlie”, apetece-me pensar seriamente nisso.
Porque eu não sou Charlie.
Há um montão, uns milhões, de gente que protesta porque dois ou três tipos dispararam a matar sobre jornalistas críticos de uma confissão religiosa.
Creio que a maioria desses que protestam estão animados de boas intenções.
Mas também estão manipulados por tudo quanto os media nos mostram, incluindo o “golpe de misericórdia” na cabeça de um polícia.
Não sei se haveria tanto protesto sentido, tanta emoção à flor da pele, se não fossem jornalistas.
Não sei se haveria tanta emoção de, no lugar de uma redacção, fosse uma gráfica, a mesma que imprime o mesmo jornal. E se, no lugar de jornalistas, fossem os operários a tombar.
Não vi tanto protesto sentido quando a escola judaica em Tolouse foi atacada, com quatro mortos, dos quais três crianças.
Não vi tanto protesto quando Gaza foi bombardeada, com edifícios civis a desmoronarem-se sobre mulheres e crianças e sem terem para onde fugir.
Não vi tanto protesto quando foi implementada a pena de morte no Uganda para os homossexuais.
Não vejo tanto protesto quando os madeireiros chacinam uma aldeia no Amazonas.
Não vejo tantos protestos quando se prepara a segregação de velocidades e conteúdos na net.
Não vejo tanto protesto quando os Mapuche são corridos a tiro pelas empresas de mineração.
Não vejo tantos protestos perante o facto de as polícias dos EUA afirmarem que já estão em campo devido a um ataque em França.
Não vejo tanto protesto quando uma menina entra numas urgências hospitalares porque foi genitalmente mutilada. Sim, em Portugal!

Nem verei tantos protestos quando as leis vigilantes usarem deste e de outros episódios equivalentes para limitarem a tua, nossa, liberdade de existir e de exprimir e de acreditar e de viver.
Aqui, ali, acoli, já se vão levantando vozes radicais, mesmo ou principalmente entre os cidadãos anónimos, a reclamar pela expulsão dos estrangeiros, dos islâmicos, dos de cor ou credo diferente. Sim, aqui em Portugal!

Eu não sou Charlie!
Sou um ser humano que continuarei a protestar de cada vez que morrer alguém às mãos de outro. Porque escreve num jornal, porque apanha ervas selvagens, porque reverencia o seu ente supremo, porque tem uma opção sexual e de vida diferente.
Eu não sou Charlie!
E se não tenho medo dos radicais que a tiro ou à bomba fazem chacinas ignóbeis, tenho muito medo dos totalitarismos de estado, disfarçados de democracia, que se avizinham. Sim, na Europa! Sim, em Portugal!

By me

1 comentário:

joaquim bispo disse...

Muito bem!
As massas adoram ter quem lhes dirija a vida, lhes selecione os amores e os ódios.