quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Photógrapho - o bicho estranho





O photógrapho é mesmo um bicho estranho.
Na sua actividade, quer seja lúdica quer seja profissional, só se preocupa com o que é interessante.
E nesse interessante que procura, tenta encontrar-lhe algum tipo de beleza. Mesmo que a beleza seja o horrendo.
Ele é um rosto, é um toque de luz, é um jogo de cores, é um beijo… Ou ele é uma catástrofe, ou os mortos de guerra, ou os moribundos de fome…
Quer seja num caso ou no outro, o photógrapho regista aquilo que entende por interessante e procura que isso se torne atraente. Pela beleza, por conceitos estéticos convencionais ou inovadores.
Mesmo em coisas tão inócuas como, por exemplo, um conjunto de caixas de plástico empilhadas numa cozinha, para promover a sua venda.
Seja qual for o caso, o photógrapho procura a beleza e a eficácia da comunicação na sua actividade.
O resto, aquilo que não chama a atenção do photógrapho ou que não tem a obrigação de ter em atenção, são coisas que não regista. O banal, o comum, aquilo que acontece, vemos ou fazemos todos os dias, a todas as horas, são coisas que o photógrapho não regista.
Ou o olhar não vê ou, em vendo, não o tem por suficientemente importante para merecer um registo ou o trabalho de um registo.
Será que se justifica o photographar de um banal passo, coisa que todos os milhões de pessoas fazem, desde que possam, milhares de vezes por dia? Ou o coçar a ponta do nariz quando se tem comichão? Talvez que não.
Que de tão banal que é, que de tão ausente de estética ou de factores apelativos – intrínsecos ou acrescentados – que nem dele nos apercebemos ou, apercebendo, atribuímos-lhes valores nulos de interesse.
No entanto, e pensando bem, a vida – a vida de cada um e a de todos nós – é feita quase exclusivamente de momentos e gestos banais. Tão banais que é a sua sucessão que emparelha com a continuidade do tempo. Mesmo o respirar.
As coisas belas ou horrendas – porque o são ou porque foram por nós transformadas em tal – são as raridades, os pequenos marcos que separam o banal em dois grupos: o antes e o depois deles.

Mas se a banalidade não tem cabimento na photographia, então o photógrapho não cumpre uma das funções do seu mister: o registo da vida, humana ou não, para sua satisfação ou para conhecimento dos demais e dos vindouros.
Daqui por uns séculos, quando a photographia for tão arqueológica quanto são hoje as pinturas rupestres, dir-se-á que o ser humano era metódico e feliz: tudo o que faz está emparelhado no conceito de beleza, mesmo que o não seja, e todo o ser humano ri ou sorri nas fotografias. E que a vida é, hoje, uma sucessão ininterrupta de factos interessantes e apelativos, sempre bonitos e excepcionais.
Isto só será verdade se conseguirmos transformar cada coçadela de nariz ou passo dado em algo digno de nota, algo que valha a pena photographar.
E vale sempre!

By me

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