segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

No vazio da noite





Aconteceu uma destas noites. O maior pesadelo de quem utiliza comboios já tarde: Adormeci sentado no banco, encostadinho à janela.
Nada de grave, em regra. Costumo acordar uma ou duas estações antes e fico logo em estado de alerta.
O pior que me aconteceu, anteriormente, foi ir parar mesmo ao fim da linha. No último comboio. Felizmente a noite não estava bera e voltei “à pata”. Uma canseira que me deveria servir de lição. E serviu, anos a fio.
Mas não desta vez.
Teria eu que mudar de composição, que aquela em que seguia, “agulhava” e ia terminar numa estação no meio do nada. Adormeci e acordei já aí, com o imobilizar do comboio. Apercebi-me quase de imediato da bronca e, já no cais quase deserto, inquiri o maquinista, que entretanto havia desembarcado, a que horas regressava aquele. Ou o seguinte.
Não regressava. Melhor: não regressava com passageiros, que ia recolher.
“Ora batatas!” exclamei, descrevendo a situação. E acrescentando que, ali e àquela hora, nem táxis havia.
Perguntou-me para onde queria eu ir, o que respondi.
E, para meu espanto, propôs-me dar-me boleia, no comboio de regresso, que seria de imediato. Deixava-me na estação intermédia, onde eu deveria ter descido. Com a recomendação que tinha que sair logo e na porta da frente, já que não podia transportar passageiros e pararia apenas na ponta do cais da estação em causa.
Só não lhe dei dois beijos porque, àquela hora, até parecia mal. Aliás, eu e um outro, pouco habituado àquela linha, que estava em apuros parecidos.
Lá fomos, com o comboio de luzes interiores apagadas, e deixou-nos onde combinado. Já do cais, e tendo acelerado o passo, fiz-lhe os mais repenicados gestos de agradecimento pela janela frontal da máquina, que a estação também estava pouco iluminada.

É-me muito mais fácil desejar um feliz Natal e um próspero ano novo a este completo desconhecido (que nunca conseguirei reconhecer aquando do exercício do seu ofício que as cabinas das máquinas estão sempre escuras para quem está na estação) que aos outros, os conhecidos ou colegas que, nesta altura do ano, nos entopem as caixas de correio com votos de “festas felizes”, apesar de nem nos saudarem quando se cruzam connosco no trabalho ou na entrada do prédio.

A hipocrisia é danada, mas eu tenho mau feitio!

By me

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