sábado, 11 de outubro de 2014

Mãozinhas marotas



A história passou-se no longínquo ano de 1980.
Éramos pioneiros. As tecnologias haviam mudado, quase de um dia para a noite, e sem grandes formações. Não havia a net com os seus fóruns e youtube, os manuais vinham em alemão e poucos havia ido ao estrangeiro aprender com quem já o fazia.
Assim, as técnicas, as estéticas, as éticas e as filosofias eram criadas por nós, baseadas no pouco que sabíamos. E com uma enorme sede de aprender. Acho que nos safámos menos mal, apesar de tudo.
Pois uma tarde (acho que foi de tarde) estava eu na minha consola a fazer o que tinha que fazer e um colega, de uma profissão contigua e íntima da minha, mas diferente, teve comigo uma divergência de opinião sobre o resultado do trabalho conjunto que estávamos a fazer.
Ele achava que sim, que eu teria que fazer uma alteração, eu achava que não, que como estava estava certo. E porque torna, e porque deixa, e não havia meio de chegarmos a um acordo.
Até que ele, levantando-se da sua consola e vindo para junto da minha, insistiu para além do limite: metendo a mão à minha frente, quis actuar no botão que eu recusava actuar. Passei-me!
E passei-me mesmo, que logo ali lhe dei um estalo, impedindo-o de concretizar os seus intentos.
Do ponto de vista técnico, não foi um estalo. Foi com as costas das mão e não com os dedos, não foi na face mas antes em cheio no nariz e boca e a força não foi demasiada. Mas o suficiente para marcar posição: nos meus botões mexo eu!
Arregalou os olhos, quais faróis de nevoeiro, e regressou ao seu posto, um pouco atrás do meu naquela sala.
Nunca nos incompatibilizámos à conta deste episódio. Mais: ao longo dos anos, várias vezes nos rimos dele, com outros por perto a assistir ao que contávamos e boquiabertos com a bonomia com que a ele nos referíamos.

Ainda hoje não gosto de mãozinha marotas a descalibrarem o que estou a fazer.

Mas se for nas minhas costas, sem que eu o saiba, já gosto! Com batatas cozidas e molho à espanhola, cortadas elas, as mãos, rentes pelos pulsos. Numa travessa de barro, de preferência.

By me 

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