domingo, 5 de outubro de 2014

Liberdades



(ou cogitações matinais com a ponta dos dedos sobre uma decisão a tomar)

Rotina doméstica: em casa ando nu.
Nuzinho da Silva, tendo em cima do corpo apenas os óculos, caso precise deles. Quanto ao resto, nadica de nada. Desde que as condições de temperatura o permitam, claro.
Pelo menos até ter que sair de casa pela primeira vez, seja para ir trabalhar, ir fotografar ou ir tomar um café. A partir daí, as farpelas que tenha posto ficam, excepção feita ao chapéu e colete, que nunca uso em casa.
Claro que, no mesmo bengaleiro onde ponho os chapéus, os casacos mais de Inverno e o colete em uso, tenho também uns calções. Apenas enquanto as temperaturas o permitem e que muito raramente uso.
Porquê?
Porque se baterem à porta envergo-os antes de abrir.
Não se trata de pudores. Não tenho vergonha alguma do corpo que tenho, de parte nenhuma dele. Tenho bem mais vergonha de algumas coisas que fiz ou pensei na vida que do corpo que me transporta.
Sei, no entanto, que a visão de um corpo nu é incómodo para a esmagadora maioria das pessoas. Mesmo que seja dentro da casa de cada um, um corpo nu é censurado ou censurável. Chamem-lhe leis, chamem-lhe moral pública, chamem-lhe falsos pudores, certo é que aquilo que é natural – o corpo humano – tem que ser escondido dos olhares de terceiros. Mesmo que o dono desse corpo seja indiferente a esses olhares.
Acontece, porém, que quem me bata à porta quer falar comigo. E tem um assunto específico para tratar. Se em lhe abrindo a porta lhe aparecesse nuzinho da Silva como costumo andar, esse assunto passaria de imediato para segundo, quiçá terceiro plano. Provavelmente, nalguns casos, nem se abordaria o assunto.
E eu, em minha casa, quero saber que assunto leva alguém a bater-me à porta. E não quero provocar choques sociais ou morais a quem nela bata. É-me pouco importante se gostam ou não de ver um corpo nu, mas não quero que fiquem chocados a ponto de se esquecerem do que ali os leva.
Por isso, tenho junto à porta uns calções. Que envergo antes de a abrir.

A isto eu chamo de “liberdade”. Uma das formas de liberdade que pratico.
Ajusto os meus hábitos e preferências em função de não ferir, em demasia, as susceptibilidades de terceiros e podermos co-existir sem conflitos.
E a liberdade é isso: vivermos de acordo com os nossos próprios conceitos e consciência, sendo decisão nossa o respeitar os outros. Não por uma questão de imposição ou leis, mas porque o queremos. Livremente e sem peias!

Vem toda esta conversa a propósito de uma enorme dúvida que tenho hoje.
Vem-se arrastando nos últimos dois ou três dias e terei que tomar uma decisão nas próximas duas horas.
Fui convidado (não expressamente eu, mas num convite aberto e generalista) a participar numa reunião que poderá ser a génese de uma nova organização política portuguesa.
A opinião que tenho sobre os partidos políticos e seus funcionamentos não é a mais lisonjeira. Nem pouco mais ou menos. Desde logo porque, ao serem uma organização, possuírem regras, com imposições e proibições. O que me desagrada profundamente.
Mas certo é que o que existe neste momento passa por partidos políticos. Gostemos ou não disso. E os que existem, podendo ser bastante piores como a história nos mostra, são muito pouco consentâneos com o meu conceito de sociedade livre e feliz. Uma nova organização que parta de paradigmas realmente diferentes pode ser um bom caminho. Com abordagens diferentes no tocante à organização social, económica, legislativa, funcional. Realmente diferentes.
A minha dúvida está em saber se os demais participantes comungam comigo, mesmo que em termos gerais, desses ideais de liberdade real. Daquilo que sei, muito pouco, em parte sim. Falta saber do resto.
E se o esforço de estar presente e participar com ideias e debates fará sentido ou se não teremos uma base comum. Conheço, circunstancialmente, alguns poucos dos que estarão. E tenho algumas dúvidas nessa comunhão de ideais e métodos. Dos demais não sei, nem em qualidade nem em quantidade.


E eu, que gosto de andar nu mas que não me importo de vestir uns calções para o bem comum, não aceito que me obriguem a usar gravata.

By me 

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