quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Marcando o território - Escorrendo



É uma daquelas coisas que os bichos têm: marcam território.
Alguns, muitos, usam o odor para o marcar, urinando, defecando, esfregando-se. Outros marcam-no com arranhões das garras nas árvores. Alguns chegam mesmo a usar penas ou folhas para isso.
O bicho-homem também é bicho. Mas foi bem mais longe que os outros bichos.
Inventou marcos de pedra, que perpetuam a marcação e o direito de pose. Elaborou representações do território e definiu as pertenças, chamando a isto mapas. Jogou com cores e formas e exibiu-as ao vento. E juntou tudo isto, muitas vezes demarcando o território com o sangue de quem não entende porque o derrama, e chamou-lhe país, com a justificação da língua, da religião e da cultura.
Numa escala bem mais pequena, quase individual, o bicho-homem faz o mesmo. Marca as leiras de terra que cultiva, põe portas e grades no buraco que habita e chama-lhe casa. É seu e dos seus e é inviolável.
Mas vai mais longe o bicho-homem, na demarcação do território a que chama de casa. Querendo-o bem definido, diferente dos outros, pinta-o e decora-o com ferros e flores, com vidros formatados de acordo com os gostos do “dono” ou da moda. E dá-lhe uma identidade única, inconfundível no meio de muitos milhões de outras casas ou lares. Chama-lhe de morada, usando para tal complexos códigos de símbolos elaborados com letras e números. No país tal, cidade tal, rua tal, número tal, andar tal, vive Fulano de Tal, no espaço ou território a que chama de seu.

Sou bicho-homem mas não sou defensor do conceito de posse ou domínio do território. Mais ainda, entendo por disparate as lutas pelo território, as mais das vezes decretadas por quem já possui muito de seu e que não dará o corpo ao manifesto nas frentes de batalha.
Defendo, antes sim, o lema cigano: “O Céu é o meu tecto, a Terra a minha pátria, a Liberdade a minha religião”.
Por tudo isto, vou marcando o território por onde passo, com a efemeridade de um pedaço de pano à laia de bandeira colorida mas sem símbolos, fazendo o respectivo registo. Por onde passo é meu, sempre e apenas enquanto lá estou. Assim que me afaste, outro que o demarque, durante tanto tempo e com o mesmo ênfase que eu.

Um dia, espero, poder marcar território em Alfa-Centauro. Ou do outro lado do globo, rigorosamente naquele ponto que está mais distante daquele onde agora me encontro. Flutuando entre duas ondas.

By me 

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