domingo, 14 de setembro de 2014

Liberdade



Uma vez tive um pássaro.
Enfim, ninguém é perfeito, portanto porque não eu também?
A estória foi assim:

Estávamos em reuniões de avaliações de Natal. Enfiados todos os professores numa sala, íamos discutindo cada um dos alunos e “cantando” as notas para um de nós, que as ia lançando no computador.
A meio da tarde, na pausa que nos oferecemos para um cafezinho e um cigarrito, uma das funcionárias da secretaria veio falar com cada um, propondo-nos a compra de um periquito. Estranha a proposta, não fora o facto de ser uma espécie rara, um “periquito da Guiné”, trazido não sei como à revelia das autoridades.
Achei a coisa interessante para oferecer a uma garota novita, filha de um casal amigo, pelo natal. A posse e a responsabilidade por um ser vivo pode ser, para além de lúdico, pedagógico. Portanto, porque não?
Mas, quando já noite feita, fui buscar o bicho apalavrado, até me assustei. Com um tamanho intermédio entre um periquito convencional e um papagaio, ainda que novito, tinha umas patas que denotavam vir a ser bem grande no futuro. E nem sequer era particularmente bonito, de um tom verde pardacento.
Lá o levei para casa, comprei-lhe uma gaiola bem grande para o acomodar no futuro e tratei de saber e comprar o que comia o bicharoco. Decidi ficar com ele uns dias em minha casa, para perceber o que ele necessitava, antes do entregar à futura dona.
Ainda bem que o fiz!
Além de feioso, o seu grasnar era pouco menos que horripilante. A chiqueirada que fazia, com as asas e as cascas da comida, espalhava-se bem um metro em redor. E limpar ou dar de comer dentro da gaiola, só mesmo de luva, que o bicho deveria ser carnívoro ao tentar arrancar-me uns bons “bifes” dos dedos. Não sei quem estaria mais incomodado: Se eu com a trabalheira se ele com medo de mim.
Constatando todos estes inconvenientes, acabei por não o dar à garota. Seria uma “prenda de grego” para os pais, que ela não trataria dele e sobraria trabalho e aborrecimentos para eles. Se eu o tinha comprado, eu ficaria com ele.
Fui tratando dele conforme podia, tentando não o assustar em demasia e que se fosse habituando à minha presença, mantendo a higiene e alimentação nos padrões normais, dentro e fora da gaiola.
Um dia, quando me levantei, estava morto dentro dela.
Juro que me doeu!
Não que me tivesse afeiçoado ao bicho. Mas não lhe queria nada de mal e não me tinha apercebido que alguma coisa não estaria a correr bem.
Mas, pensando bem, a culpa terá sido minha. Por muito grande que seja a gaiola, é sempre uma prisão. E eu era o carcereiro.

Texto e imagem: by me


“ - O que é para si a Liberdade?”
“ - É ser livre numa prisão!
Todos nós vivemos numa prisão que nós mesmos construímos.
Porque nos impomos limites. Porque temos receio de os ultrapassar.
Acho que o próprio do Homem não é viver livre em liberdade de facto. É viver livre numa prisão!
Todos nós temos uma polícia política interna, cheia de proibições e de regras em relação as nós mesmos.”

António Lobo Antunes, in Grande Entrevista, RTP, 2006

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