segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Orgasmos



O que há de comum entre a tragédia e o orgasmo?
Aparentemente nada. Se uma é negativa e a evitar, a outra é positiva e recomenda-se.
Acrescente-se, entretanto, um elemento a esta equação e tornam-se irmãs inseparáveis, a mesma face da mesma moeda, partilhando a intimidade como quem partilha a escova de dentes.
Este elemento aglutinador de dois opostos chama-se “jornalista”. A tragédia consumada ou anunciada eleva o jornalista a um estado de êxtase, quase de felicidade suprema.
Ao transmitir informações sobre uma tragédia ou desastre, que foi ou será, a sua adrenalina atinge níveis para além da escala, estende-se em adjectivos, substantivos e advérbios, usando os superlativos simples e compostos que encontra ou supõe existirem nas gramáticas e prontuários. Isto supondo que todos conhecem estas obras de consulta basilares da língua portuguesa.

Antevejo, com a chegada tardia deste verão, os incêndios, os meios aéreos, as casas consumidas e as florestas enegrecidas.
Com os directos, as reportagens, as estatísticas, as entrevistas e os depoimentos, que nos dirão o quão terrífico foi, é ou será.
E que alimentarão o jorrar de notícias até que políticos e politólogos, economistas e banqueiros regressem de férias, na chamada rentrée.
Lá longe, entretanto, os prédios continuam derrubados, os hospitais continuam a não curar, os órfãos assim ficarão até à eternidade, os negócios de armas florescem e os comboios humanitários continuam bloqueados em terra e no mar.
Aqui ao lado, entretanto, as lojas continuam a fechar, as padarias passaram a fabricar pão mais barato, e há cada vez mais carros que, com os pneus em baixo, ficam imobilizados meses a fio.
Mas não são orgásmicas estas imagens. Neste verão serôdio, as praias e estâncias balneares são a notícia, já que os incêndios tardam.



By me

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