terça-feira, 27 de maio de 2014

Gosto de fotografia



O que eu gosto de fotografia!
Da fotografia dos outros.
Da fotografia feita pelos outros!

Comecei a fazer fotografia publicitária bem cedo. Um convite de um laboratório farmacêutico levou-me a pedir uma câmara emprestada. Uma MPP, 9x12, velhinha e em mau estado, mas que deu conta do recado.
Assim que pude, comprei outra. Desta feita uma Linhoff Cardan Collor. Uma objectiva 150 f/5,6 (Xenar, salvo erro) e dois chassis duplos completavam o conjunto.
Mas a paixão pelas câmaras view assolou-me. Uma oportunidade única na vida surgiu-me e comprei uma outra Linhoff, uma Technika 70. Com chassis para película rígida 6,5x9 e para película 120.
Pude, assim, partir para a paisagem urbana com as correcções de perspectiva e profundidade de campo que pretendia. E em versão portátil. E entrar a fundo no Zone System, já que os chassis 6,5x9 permitiam-me expor e revelar cada negativo individualmente, controlando assim todo o processo, desde a visualização do assunto até à impressão final.
Para tal, tive que comprar um ampliador compatível com este formato. Não foi fácil, mas lá encontrei um velhinho Meopta Magnifax, com o seu chapéu de fada, que satisfazia quase todos os requisitos.

Em conversas orgulhosas sobre este “up-grade”, uma companheira trouxe à baila um tema interessante: possuía ela uma colecção de negativos de família, alguns bem antigos. Poderia eu imprimi-los?
Acedi à proposta, pelo menos para ver de que se tratava. Ela voltou, dias depois com o material. Uma caixa, maior que de sapatos, repleta de negativos. Muitas centenas. De todos os formatos, alguns ainda em vidro. Até ao minúsculo 110.
Tarefa ciclópica que aceitei, sem prazos para cumprir, que aquilo merecia um tratamento cuidado. E o fazer de algumas peças para aqueles formatos incomuns.

Foi um prazer digno do Olimpo. Uma por uma, as imagens formavam-se na prancheta do marginador, em papel 9x12. E positivavam-se nas tinas, sob a luz vermelha. Toda aquela família estava ali representada, alguns da infância à velhice.
A dado passo, já os reconhecia em tons invertidos, inventando-lhes nomes e relações familiares: “Este casou com esta, é irmão daquela e filho do outro…”
Os trajes, os penteados, os adornos, os veículos, as baixelas e as decorações das festas e residências, foi pouco menos de um século que viu a luz do meu ampliador. Outras vivências, outros olhares. Para a objectiva, fugindo da objectiva ou através dela.
Foi francamente melhor que qualquer filme dinástico. Os actores eram reais, as situações nada ficcionadas e os efeitos os da natureza e não os de um técnico habilidoso.

É por essas e por outras que gosto de fotografia.
Das dos outros.
Das feitas pelos outros.
É um mundo mais ou menos real, que me é mostrado, nas exposições, nos álbuns de família, nos livros. Contam-nos como o ser humano vive, na realidade truncada pelo fotógrafo.
Cada fotografia que vemos completa-se com a nossa própria memória, colorindo com os detalhes que não vemos, os sons que não ouvimos. É uma vivência emprestada que se experimenta ao ver as fotos feitas por outras pessoas.
A cada fotografia feita por outrem, por muito “amadora” que seja, fico mais completo.
Muito mais rico!



Imagem: roubada da net
Byme

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