terça-feira, 22 de abril de 2014

Ladrão de tempo



Tenho para mim que, a seguir à figura humana, aos carros, ao vestuário e ao pôr-do-sol, o relógio será o objecto ou tema mais fotografado.
Esta ideia não se baseia em nenhum estudo científico ou sistematizado mas tão só no que vou vendo nos periódicos, publicidade, redes sociais e álbuns de família.
Presumindo que a fotografia é, em boa medida e para muitos, uma forma subliminar de manifestação de cobiça ou desejo de posse do objecto fotografado, é natural que os primeiros sejam recorrentes na fotografia.
A fotografia é o ícone daquilo que queremos ter ou ser: a pessoa amada ou a figura admirada, o símbolo de força e poder, a exibição de atributos ou ainda de manifestações da natureza que não podemos imitar.
Já com o relógio os motivos serão outros. Para além do desejo de posse do objecto, belo e tecnicamente rigoroso, existe também o desejo, nunca satisfeito, de controlo do tempo.
Esta quarta dimensão, não palpável mas apenas constatável, que vivemos transversalmente, que não controlamos mas que malbaratamos muitas vezes com actividades fúteis ou nefastas, é para nós, seres humanos, tão inatingível quanto o estado divino.
O mais que podemos fazer é constatar a sua existência, medir a sua passagem, incapazes de o parar, aumentar ou diminuir.
Daí que o relógio de pulso, de bolso, de parede, de torre, de corda, atómico ou de água esteja de uma forma ou de outra representado na fotografia.
Até porque, em última análise, a fotografia é a medíocre forma que o bicho-homem improvisou de congelar o tempo.

O fotógrafo mais não é que um “ladrão de tempo”, à imagem e semelhança do clássico “Estação de transito" de Cliford D. Simak ou “A máquina do tempo” de W.G. Wells ou ainda do fantástico “Um americano na corte do Rei Artur”, de Mark Twain.

Mas este “roubo” felizmente ainda não é punido e dá-nos, a nós fotógrafos, todo o prazer que sabemos e usufruímos!

By me

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