sábado, 19 de abril de 2014

A borrada



Ainda sobre sorteios e afins, recupero um artigo assinado por Fernando Madail e publicado no Diário de Notícias de 10 de Abril de 2005.
E se a qualidade da imagem é bem fracota (consequência de um péssimo arquivo aqui em casa) já o texto…


À espera que a vaca “Mimosa” borrasse a sorte no jogo de rifas

Nem as canções da Ágata ou do Toy distraiam os olhares dos apostadores, virados para as quadrículas desenhadas a branco no campo de futebol do Grupo Cultural e Desportivo Leões da Citânia, à espera que a vaca que por ali passeava, com uma faixa do clube, largasse, por três vezes, as bostas da sorte.
Na solarenga tarde de ontem, demorava até ver quem é que tinha "tido vaca", isto é, a sorte do excremento cair no quadrado onde a terra escondia o papel com o número da respectiva rifa, comprada por cinco euros, para ajudar a diminuir as dívidas do clube da freguesia de Sanfins (Paços de Ferreira), que foi campeão distrital de amadores na época 2002/2003 e, agora, disputa a I Divisão Distrital da Associação de Futebol do Porto. "Espero bem que cague no meu número", era o voto mais vezes formulado.
O animal passeava, agitava o rabo, passava a língua pelo pêlo, deitava-se a descansar... mas tardava a soltar os excrementos que davam os três prémios, obtidos na ordem inversa da defecação o terceiro ganhava 250 euros e um cabrito, o segundo recebia o dobro do dinheiro mais um porco e o vencedor (se, até ao fim da noite, a vaca se decidisse) mil euros e um touro.
"Enquanto não lhe chega a vontade de ir à casa de banho", no meio de uma música do Tony Carreira ou da Mónica Sintra, o animador da tarde sugeria mais um concurso, oferecendo um prémio pessoal (um fato de treino da sua fábrica de confecções) a quem acertasse na hora da primeira borrada bovina.
Entretanto, cruzavam-se miudinhas de tranças e velhas de luto, chapéus domingueiros e motos de escape livre, bebés de babete e avós de bengala, casais de namorados e deficientes em cadeiras de rodas. Afinal, foram vendidos 3 500 bilhetes e a curiosidade de saber em que metro quadrado iria calhar a sorte, à velha maneira da tômbola de feira ou dos furos de taberna, atraia a população daquela freguesia de Paços de Ferreira. Até a vereadora da Cultura se deslocou ao campo de jogos dos Leões da Citânia para apreciar tão "invulgar espectáculo".
"Não era melhor dar-lhe de comer?", questionava o presidente do clube ao dono do animal e dirigente dos Leões, que teve a ideia quando viu uma reportagem na televisão sobre uma iniciativa idêntica. Mais sucessos musicais de Fernando Correia Marques, do padre José Luís Borga, de Cândida Branca Flor; o balcão a servir malgas com vinho branco, cerveja em copos de plástico, carnes assadas nas brasas do lado para meter em pão.
Para passar o tempo, que a Mimosa também não tinha pressa, alguns jovens jogavam à malha num recinto ao lado do rectângulo destinado ao futebol, onde se continuava a "esperar que a vaca marque penalty". Quando os relógios acusavam cinco minutos para as seis da tarde, levantaram a vaca - que se tinha, entretanto, deitado, alheada da atenção geral -, arrastaram-na para um balde com ração e, no trajecto, poing!, acertou no número 3405. O filho do presidente da Assembleia Geral do clube acabava de ganhar 250 euros e um cabrito.
Até saírem os outros prémios, as colunas continuariam a difundir mais canções de Quim Barreiros, Nel Monteiro ou José Malhoa.


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