domingo, 2 de fevereiro de 2014

Nostalgias



Que soubesse, havia três: No Centro Comercial Arco-Iris, as galerias Ritz e o Galeto.
As galerias Ritz foram as primeiras a fechar, faz já muito tempo. Frequentava-as, mais um grupo de gente, por serem um dos locais onde se podia comer até bem mais tarde em Lisboa. E com bom vinho, diga-se de passagem. Por vezes o balcão e bancos estavam cheios e tínhamos que aguardar à porta, folheando as revistas de fotografia Inglesas, Francesas ou Americanas que por ali também se vendiam, entremeadas com cigarros, cigarrilhas e charutos. Para quem quisesse também havia tabaco de cachimbo, várias marcas e características. A moda dos de enrolar ainda não tinha chegado por cá, ficando reservada para os bem mais velhos, com outros hábitos e bolsas.
Em seguida foi a vez do que ficava no Arca-Iris. Mudou de aspecto e o balcão em zig-zag que o caracterizava dividiu-se em mesas e cadeiras de cor clara, incaracterísticas e banais. Porque ficava numa zona central da cidade, pelo menos no centro do que frequentava, e porque ficava perto do trabalho, era eu cliente assíduo. Além do mais, e isto é factor de primeira ordem, ficava paredes-meias com um dos melhores mecânicos de equipamento fotográfico da cidade. Motivo de visitas frequentes e de compras de ocasião de fazer chorar os mais invejosos.
Resta o Galeto. Mantém o balcão em zig-zag, com os empregados a circularem lá por dentro, com rapidez de serviço e qualidade do que servem.
Há quem diga, com a boca cheia de maldicência, que é local de pouso “putas finas”, mas nunca dei por nada. Ingenuidade minha, quem sabe? O mais que por lá vejo são idosos, agarrados a tradições antigas, famílias, com rebentos e tudo, que entre a ida à missa e uma qualquer vista familiar, vão ali em busca de um repasto rápido mas de qualidade. Os grupos de amigos, seja qual for a hora, por mais tardia que seja, preferem as esquinas, que são mais propícias a conversas, que os convivas não ficam todos em linha.
O balcão não é particularmente largo, mas suficiente para receber o toalhete de papel com monograma, pão, talheres, prato e travessa e copo. As garrafas, essas, ficam na prateleira de dentro, num nível mais baixo. E se não se tomar cautela, os seus conteúdos voam em menos de nada, que os empregados em passando e vendo copos vazios tratam de os encher. E perdemos a conta ao que já “marchou”.
Disse-me, quem conheceu aquilo de início, que a sua origem se deveu a um emigrante português que, em regressando do Brasil, resolveu investir num restaurante de qualidade e duradouro. Em boa verdade, ambas as características se mantêm até hoje: a comida recomenda-se e a decoração matem-se, assim como os balcões em zig-zag e os bancos de pé alto, fixos nos degraus de pedra.
O que não se mantém, para meu profundo desgosto, é um detalhe que também fazia dele único:
Presos ao balcão, do lado de dentro, entremeados com os suportes das ementas e dos condimentos e temperos, havia os cinzeiros.
De latão sempre brilhante, como as pequenas meias bolas existentes nas paredes, eram uma quase esfera, com uns dez centímetros de diâmetro, com a boca convidativa à cinza e à beata virada para cima. Nunca vi nenhum entornar-se, que estavam solidamente agarrados, nem nunca consegui descortinar como eram despejados.
Agora, com a noveis regras de fumadores/não fumadores, no vidro da entrada está o malfadado dístico, rectangular e vermelho, interditando o prazer de um cigarro com o café após uma boa refeição, em boa companhia.
Dos cinzeiros, restam frestas na madeira, mostrando o lugar onde existiram anos a fio. E a nossa memória daqueles objectos amarelos e brilhantes.

Estive vai-não-vai para chamar pelo gerente e perguntar-lhe se, por mero acaso, não teriam um deles a jeito para ser fotografado ou, melhor ainda, se haveria algum para venda. Faltou-me a coragem desta vez, mas não garanto nada da próxima!

O que aqui vedes será, se a memória me não falha, a cor do interior desses objectos agora desaparecidos.

By me

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