terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Da minha janela



Quando eu era estudante liceal tive uma canadiana.
Tratava-se de uma espécie de sobretudo, de fazenda, a três quartos, com capuz e uns quatro botões de madeira, compridos e finos que, com o auxilio de uns cordões entrançados, serviam de abotoadura.
Não asseguro se seria azul-escuro se preto.
Certo é que me recordo de andar com ele semanas a fio húmido.
Vestia-o de manhã, antes de sair de casa e, pese embora o uso de um guarda-chuva, acabava por ficar bem molhado. Coisas da chuva e da juventude.
Em chegando ao liceu, pendurava-o no “meu” cabide (havia uma fileira de cabides na sala da turma, numerados e correspondentes ao número que tínhamos na turma). E aí ficava, umas vezes pingando ao desafio com os restantes, outras nem tanto, até que seis horas depois haveria de o vestir para o regresso a casa. A menos que a chuva ou o frio fossem em demasia e nos intervalos lá recorria a ele.
Em chegando a casa, o seu destino era, invariavelmente, a cozinha. Aí, e com a ajuda do calor do fogão, haveria de secar um pouco até à manhã seguinte, em que se repetiria o ciclo.
Semanas a fio aquela canadiana andava húmida. Porque chovia semanas a fio.
Ocasionalmente bátegas fortes, daquelas de assustar até um cão ou de criar inundações. Mas, as mais das vezes, chuva fina ou média, daquela que fazia qualquer puto de então pensar se valeria a pena abrir o guarda-chuva ou se bastaria o capuz. As mais das vezes o capuz fazia a festa, que havia que usar a espingarda, espada ou a bengala em guerras ou aventuras indescritíveis.
Nos dias de hoje, meia semana de chuva é um caos.
Todos se queixam, amarga e violentamente, contra o tempo, contra os incómodos, contra as alterações climáticas, contra o buraco do ozono, contra… Todos se queixam da chuva, prestam muita atenção aos avisos coloridos da meteorologia e aos alarmes sensacionalistas das televisões e jornais.
Estou vivo e de boa saúde. Tanto quanto o já mais de meio século de caminhadas pelas ruas molhadas, canadianas húmidas e botas ensopadas me permitiram, sem reumáticos, gripalhadas mais que qb, e as constipações do costume. Estou vivo e de boa saúde, tendo sobrevivido a semanas de chuva continua e sem possuir sobretudo de lata, vulgarmente conhecido por carro.
Chove há três ou quatro dias seguidos? Ainda bem. É mais um argumento a favor de umas couvinhas que hei-de comer e uns banhos que hei-de tomar lá mais para o verão.
Que nós, citadinos, vezes demais nos esquecemos que o que brota da torneira e tomba no prato necessita de chuva: nascentes, vegetais e animais.

O único aspecto que me desagrada em dias seguidos de chuva, forte ou não, é que não tenho uma câmara à prova de água. Mas até isso é benéfico, que me aguça o pouco engenho que tenho e tento tirar disso partido.
Porque, e como me disse há dias um senhor, bem mais velho que eu, em nos cruzando no café da minha rua e num dia cinzento e em que chovia fininho:
“Está um dia lindo para fotografar: romântico.”


By me

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