segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A "máquina" versus o olho



Passo o dia profissional a tentar, usando de um montão de botões e funções, transformar um conjunto de electrões em luz num ecrã que corresponda ao que se encontra em frente de uma objectiva. Não trabalho com o equipamento de ponta mas é bem mais avançado e com ajustes que não existiam há 35 anos, quando comecei.
A grande dificuldade com que me debato é conseguir a fidelidade. Ou devido à calibração dos aparelhos, ou devido ao gosto dos inúmeros observadores do meu trabalho, mesmo ainda do grande público. E, por fim, porque o grande público raramente tem os seus meios de observação calibrados ou iguais ao meu.
No primeiro caso, é uma questão de jeitinho, truques, manhas, conhecer os desvios e contar com eles.
No terceiro caso, é tentar ir fazendo de forma a que o público não perca nessas diferenças. Por isso mesmo gosto de ter junto a mim aparelhos que não estão calibrados, de modo a que possa ter uma percepção do que é visto pelos demais. E entre o estritamente correcto e o que é visto, encontrar um ponto de equilíbrio.
Já o segundo caso é bem mais difícil. Que os tons de pele que cada um possui nem sempre são os que mais lhes agradam e procuram que, entre o que faço e o que a maquilhagem faz, façamos milagres. É uma luta permanente, fiquem sabendo.
No entanto, saiba-se também que ainda não encontrei forma de captação e/ou exibição de imagem que seja absolutamente fiel ao que os nossos olhos vêem.
Há certas subtilezas de cor e de contrastes que, por muito afinados que estejam os aparelhos de captação e/ou reprodução, falham sempre ou para um lado ou para o outro.
Um dos exemplos que conheço é a flor do jacarandá. Aquela cor algures entre o azul e o violeta, por vezes raiando o ultra-violeta, contem radiações visíveis que os diversos sistemas que conheço não registam.
Outra subtileza notória é a pele humana. Mais verde, mais azul, mais vermelha, algures entre duas ou mesmo entre as três… não creio que existam duas peles humanas iguais. E não creio que existam sistemas de captação/reprodução capazes de exibir toda a panóplia de cores humanas ao mesmo tempo. Podemos reproduzir boa parte delas com rigor ao mesmo tempo, agora todas…
O mesmo se passa com certos jogos de cor com que a natureza nos brinda em certos pôr-do-sol. Certos contrastes de azul e rosa, principalmente se estivermos de costas para o sol, são tão subtis que nem películas nem sistemas electrónicos as registem ou reproduzam fielmente.
É aqui que entra a mão humana. Ou a sensibilidade de quem apresenta a imagem. Dar ênfase a uma das tonalidades, sempre em desfavor da outra, de acordo com o que viu com o olhar e com a alma.
Sempre com a certeza que os sistemas de reprodução falharão nos contrastes ou cores, para um lado ou para o outro.
Isto, goste-se ou não, é tanto mais verdade quanto os sistemas de transmissão de imagens se querem mais rápidos e os algoritmos digitais tentam reduzir e reproduzir as imagens. Em ecrãs, quantas vezes, descalibrados em termos de contraste ou cor.
Razão tinha o “velho” mestre Ansel Adams, ao fazer questão que todas as reproduções das suas fotografias fossem por si sancionadas antes de divulgadas: impressões fotográficas, revistas, livros.


Dir-me-ão que o importante, bem mais que a fidelidade, será a satisfação do autor. Verdade. Mas quando vemos um jogo de luz e/ou cor e o queremos mostrar a terceiros, se não coincidir com isso, de que adianta fazer o registo?

By me 

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