terça-feira, 13 de agosto de 2013

Górdio



Na época o mercado do audiovisual não era nem a pálida amostra do que é hoje: poucas empresas e pouca gente a saber fazer algumas funções específicas desta área.
Volta e meia eu colaborava com uma dessas empresas, numa das duas valências específicas que já na altura eu tinha.
Teve a empresa a oportunidade de satisfazer uma encomenda especial, de complexidade muito acima do que estava habituada, e que a poderia fazer dar um salto no mercado. E pediu-me que colaborasse com eles na minha outra valência.
O convite, ainda que lisonjeiro, foi incómodo. Tinham eles alguém que costumava fazer o que queriam que eu fosse fazer, ainda que pouco experiente. Não me senti bem em substitui-lo e tentei recusar. Mas as insistências foram muitas, bem como os argumentos sobre a importância do trabalho em causa, e acabei por aceitar, depois de conversar com a pessoa que eu iria substituir.
No local onde decorreriam os trabalhos, foi tudo montado e preparado, logo a partir de manhãzinha. E ensaiado e testado como a responsabilidade da situação implicava. Tudo certinho e pronto para o que aconteceria pelas 21 horas, ou pouco depois.
Pelas cinco da tarde, falei com o chefe de operações, e patrão, propondo-lhe ir eu trincar qualquer coisa ali perto, para depois ficar disponível o resto da tarde e noite. E fui.
Quando regressei, uma hora depois, estava tudo em pânico: tinham querido fazer algo que não estava nos planos e o conjunto do equipamento não funcionava devidamente. Estranhei! Tudo tinha ficado afinado e testado e aquilo não podia suceder. A menos que uma avaria… E havia que dar com ela.
Pedi um nico para pensar. Pelos sintomas, parecia ser naquela unidade. Pouco provável, mas possível.
Dei a volta e fui lá atrás. Deitei-me por sob parte daquele emaranhado de cabos e equipamento, estiquei-me até ao fundo para chegar onde queria e lá estava a unidade. Com a luzinha de “power” apagada. Queimada a fonte de alimentação? Queimado o fusível? Meio pelo tacto, que a luz era muito fraca e a minha sempietrna lanterna não chegava lá, dei com o respectivo botão e… estava em “off”. Liguei-o e, do outro lado da tralha, ouvi um grito de aviso: “Já está! Já cá o temos!”
Rastejei dali para o meu posto de trabalho e seguimos o que havia para fazer. Ainda me perguntaram o que tinha sido, mas não me dei por achado. Respondi que teria sido um mau contacto e que as reparações “à portuguesa” resultam sempre.
Fiquei mais que convencido, ali e então e até hoje, que aquele botão não se havia desligado sozinho. E que sabia quem era o dono do dedo que o havia desligado, que só uma pessoa sabia da existência daquela unidade e da sua importância no conjunto. Nunca o comentei naquela empresa nem confrontei a pessoa de quem eu suspeitava: aquele que eu tinha ido substituir.
Sorte a minha que, não estando por completo familiarizado com todo aquele conjunto, o havia “descascado” quase por completo durante o dia e tinha um mapa mental do que existia, onde e com que funções.
Se assim não tivesse feito, o resultado seria bem diferente, e não o melhor para mim.

O mundo deu muitas voltas e aquela empresa acabou por fechar. Como tantas outras. E, nessas voltas que o mundo dá, apercebo-me vinte anos depois que essa pessoa havia acabado por integrar os quadros da minha empresa. Cruzamo-nos de quando em vez, partilhamos o espaço comum de um cigarrinho ou café, mas nunca esse episódio, ou mesmo aquela empresa, foi badalada.
O mundo continuou a dar voltas. Sobre si mesmo e em torno do sol. E agora, quase trinta anos sobre o episódio, eis que as coisas se invertem: Por causa das minhas fotografias planeadas e não tão comuns, tive que lhe pedir um favor. Que é das poucas pessoas que conheço que o pode satisfazer.
Fico na expectativa de saber se o satisfará, como mo disse, ou se ainda sobrará algo dessa época.

Nas voltas que o mundo dá, há nós que são de difícil desatar.

By me 

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