terça-feira, 25 de junho de 2013

Um olhar - a história e amoral da história



O início da história tem mais de dois anos.
Entro eu numa loja de artigos de belas artes, em Lisboa, em busca de um bloco de notas com o formato de que gosto e que sei já só se encontrar neste tipo de comércio.
Conversa vai, conversa vem, e consigo convencer a empregada que ali trabalha a deixar que lhe fotografe os olhos. Não foi fácil o convencê-la, tanto mais que tivemos que vir para a ponta do balcão, que a luz no interior não me chegava.
Aquilo que não veio junto com o bloco de notas e a fotografia foi o seu nome, que não mo quis dar. Inventei um na hora, um que os arquivos de identificação não aceitam para registo mas que ela aceitou, e foi o que ficou no meu próprio registo fotográfico.
Um anos depois entrei de novo na mesma loja, desta feita em busca de um outro artigo bem mais difícil de encontrar. Não o tinham, como eu já suspeitava, mas tinha ela, a “menina”, uma boa memória que me surpreendeu.
Perguntou-me se não teria sido eu que, em tempos, lhe havia “tirado” uma fotografia ali mesmo, na loja. E queria saber o que havia eu feito com ela.
E se eu, sem pensar no assunto, não me recordava do episódio, assim que a “menina” o referiu recordei-me de imediato. E foi questão de, enquanto dávamos dois dedos de conversa extra, ligar o portátil e procurar no arquivo on-line a referida imagem. Mostrei-lha, fiz cópia e enviei-lha, muito naturalmente. E fiquei a saber aquilo que há um ano me tinha sido sonegado: o seu nome.

Tem esta história todos os ingredientes para ser uma história feliz, com prólogo, desenvolvimento e epílogo. Excepto na sua moral.
Se para nós, que lidamos com a fotografia como um padeiro lida com pãezinhos, cada fotografia é única mas é mais uma no meio de centenas ou milhares, para os fotografados assim não é.
De cada vez que escolhemos alguém para fotografar e interagimos com essa pessoa, passa ela de “Uma” pessoa a “Aquela” pessoa. É-lhe dada uma importância bem fora do habitual, e durante aqueles breves minutos de conversa e click, passou a ser o centro do universo. Para benefício mútuo de quem regista e é registado.
E se nós, fotógrafos, estamos habituados a recortar o universo em pequenos rectângulos de luz, para quem assim é recortado é um daqueles momentos “para mais tarde recordar”.
A situação, no seu todo, não me foi original. Já muitos foram os que me abordaram, recordando-me que os havia fotografado nesta ou naquela situação. Mas veio a “menina” (mantenhamos um véu pudico sobre o seu nome) recordar-me da responsabilidade que temos, nós os fotógrafos, para com quem fotografamos, na forma como o fazemos, nos destinos que damos a cada registo e no respeito que devemos ter para com a pessoa que, sabendo-o ou não, nos permite ter mais um nico do universo guardado na câmara.
E se sobre a Ética muitos foram já os que pensaram e escreveram, muitos mais são os que esquecem ou nunca souberam o que é a Ética Fotográfica.

Que o uso e porte de câmara bem como o recortarmos e guardarmos o universo em pequenos pedaços, não nos dá o direito de omnipotência sobre ele ou sobre os registos.

By me

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