quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sorrisos



A história não se passou com este cavalheiro aqui representado. Mas podia. Que ambos partilham dos ingredientes principais: bonomia, bom-humor, simpatia e recursos.

Desembarco em Lisboa, na estação do Rossio. A tarde vai avançada, mas não estou atrasado. O tempo é que não ajuda, com um céu cinza pesada, ameaçando, se não chuva, pelo menos luz bera para o que me propunha.
Desço os três degrauzitos e dou uns dois ou três passos, deixando espaço livre para quem vem atrás, mas fazendo o que já me apetecia: acender um cigarrito.
Estou nesta, e a tentar embrenhar-me no espírito do que me cerca antes de dar uso ao que trago pendurado no ombro, e sou abordado. Os cabelos brancos contrastavam com o tom geral da pele e da roupa, mas faziam racord com o seu sorriso, meio tímido:
“Bons dias! Dá-me uma moedinha?”
Não dei e disse-lho. Não que não o merecesse, quanto mais não fosse pela saudação, mas em regra não dou. E, junto com a minha resposta, contestei o que havia dito, fazendo-lhe notar que já era de tarde, e adiantada.
“Pois”, retorqui-me. “Mas é de dia e, portanto, bom dia todo ele. Se fosse de noite seria boa noite.”
Sorri e anui, que pouco haveria a contestar tal simplicidade.
“E um cigarrinho? Dá-me, por favor?”
Disse-lhe que sim e levei a mão ao bolso.
“E porque é que me dá um cigarro e não uma moeda?”
“Porque os cigarros são meus, que sou eu que os faço e deles faço o que quero. E dar o que é meu é legítimo. Já o dinheiro…”
Parou um pouco, como que a pensar. Depois sorriu. Francamente. Todo ele: os olhos, a boca, todo ele.
Depois de guardar não o mas os dois cigarros que lhe estendi, apertou-me a mão. Firme e calorosamente como não se esperaria de alguém com a sua idade e condição física.
Ajeitou o boné no cimo dos cabelos branco-cinza e disse-me, com uma suavidade também pouco suspeitavel:
“Tenha um bom dia. E uma boa noite também.”, apontando para o céu, igualmente cinza.
Afastou-se, todo ele ainda sorrindo.

Não o vi mais, que a minha atenção se foi concentrar no que ali me levava.
Mas quando, uma hora e muito depois, vi este outro, dançando ao som de uma batucada e no meio de um círculo de gente, olhando ora para o chão ora para o céu, sempre a sorrir, talvez que nem sabendo que fazíamos todos nós ali, lembrei-me dele.

E o registo que não havia feito concretizou-se, com a vantagem de não mostrar o protagonista. Que há histórias que são o que são, sem o artifício do olho de uma objectiva.

By me 

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