quinta-feira, 23 de maio de 2013

Em trânsito, na noite




Ainda faltava um pedaço para a fronteira formal do fim de dia. E faltavam bem dez minutos para o comboio que me haveria de levar de volta a casa.
Cá fora a aragem estava no limiar do fresco. Mas só cá fora e em alguns lugares, que quanto ao resto, a temperatura estava amena. A ponto de ter o casaco preguiçosamente pendurado no saco e ter ficado em colete e mangas de camisa no interior da estação. Estava-se bem.
Este “estar-se bem” era bem patente nelas. Duas mocinhas, aí p’los vinte anos, com trajes leves, descontraídos e menos que pouco formais (rebeldes mesmo, dir-se-ia) estavam numa amena e divertida conversa, bem no meio do átrio. Em pleno contraste com os demais, sorumbáticos, uniformes nas suas roupas cinzentas, conformadamente à espera do comboio que viesse conduzi-los ao descanso merecido depois de uma jornada de trabalho. Elas eram a tónica dissonante naquela estação e não poderiam deixar de ser notadas.
Na sua diversão, uma delas dá um empurrão amigável na outra e esta protesta: “Não me empurres! Não posso pisar o azul!” Sorri!
Sorri do estranho da frase na idade e sorri dos esforços que de imediato fez para conseguir colocar os seus dois pés dentro de uma rodela semelhante a esta.
A outra alinhou na brincadeira e passou para um rectângulo da mesma cor e materiais, logo ao lado. E assim estiveram, continuando a conversa e tentando manter posições e decisões.
Estive vai-não-vai para lhes perguntar se poderia alinhar na brincadeira e também eu não poder pisar o azul. Mas desisti.
Que aquela brincadeira não era minha, se bem que todos nós por ela tenhamos passado. Que um cota, àquela hora e local, meter-se com duas jovens seria mal interpretado, p’la certa; Que eu nunca me atreveria a pisar, de propósito um coração tão esmeradamente feito.
Ficaram elas nas suas conversas e fiquei eu com uma fotografia (mais uma) deste bonito trabalho de um calceteiro, deixado numa estação de caminho-de-ferro, e que aos magotes lhe passam por cima sem que o vejam.
Que, nos tempos que correm, ninguém olha onde põe os pés, com a velocidade que nos querem imprimir.
Os dez minutos passaram e todos subimos e embarcámos.

By me 

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