segunda-feira, 8 de abril de 2013

As coisas são, apenas!




O dia de ontem foi o que foi e que se sabe que foi.
Ouviu-se um, ouviu-se outro (para quem ouviu um ou outro), o céu andou a jogar às escondidas connosco, a temperatura andou aos saltos que nem catraio no carrossel…

No regresso a casa e a caminho da estação do Rossio sobe para o autocarro uma senhora. P’la porta de trás, numa cadeira de rodas, foi ajudada por um outro passageiro que dela se apercebeu.
Vestida de modo humilde, de origem africana tal como os seus trajes coloridos, a perna que possui ajuda-a na deslocação, junto com uma vontade de fazer p’la vida não muito comum. Que ver gente assim limitada a andar de autocarro não é habitual.
Curiosamente, e só me apercebi mais tarde, não obliterou ou validou nenhum bilhete ou passe. Não sei se o teria, mas não lhe seria fácil seguir p’lo corredor até ao validador.
Calhou sairmos na mesma paragem. Ajudei-a. Assisti como lidava com a altura dos passeios, sabendo de cor os pontos de melhor acesso, com uma desenvoltura gostosa de ver, própria de quem não desistiu.
Vi como acedeu à estação do Rossio: através do café da moda que ali abriu e que, muito estrategicamente, se aboletou com as únicas portas que não têm degraus. Os únicos obstáculos eram as portas de vidro. Ajudei-a na mais dura de vencer.
Com uma rapidez que eu mesmo tive dificuldade em acompanhar, fez pontaria para o elevador que a levaria ao piso dos comboios.
Subi eu p’las escadas rolantes e, em chegando lá a cima e dirigindo-me às cancelas, lá estava ela ao fundo, junto do canal especial. Chamou-me com gestos e fui. Queria que passássemos juntos, aproveitando ela o meu bilhete. Fizemo-lo.
Rapidinho, mas rapidinho mesmo, apontou para a primeira porta do comboio. Esperava eu que pedisse o uso das rampas a que tem direito. Nada disso. Com a minha ajuda, subiu aqueles dois degraus.
Despedi-me dela, desejando-lhe boa-viagem em troca dos repenicados “obrigados” com que me brindou. E sentei-me uns bancos mais à frente, mantendo-a debaixo de olho.
Por um lado, para verificar se necessitaria de ajuda para sair. Por outro, sempre queria saber como lidaria com o revisor, sendo que não tinha bilhete válido.
A solução foi um “dois em um”. Quando o revisor chegou, não lhe perguntou por título de transporte e foi ele mesmo que a ajudou a descer na estação devida. O aceno e sorriso que lhe vi p’la janela, eram sinceros.
E enquanto tudo isto acontecia, dividia eu a minha atenção entre ela e uma minúscula aranha, pouco maior que a ponta da minha caneta, que tinha descido por um fio e que ali estava pendurada. Suponho que à espera de encontrar um outro ponto de apoio onde suportar a teia que quereria construir.
Não encontrou e, ao fim de um pedaço, começou a subir p’lo mais de um metro de fio que vinha do tecto.
Constatei o que não esperava: talvez que p’la solidez do seu fio único, talvez que p’la enorme leveza, o certo é que não balanceava com os arranques e travagens do comboio. Não sei como os físicos conjugariam isto com as teorias da inércia, mas foi um facto.
Ver como esta senhora com estas dificuldades, por entre acenos e agradecimentos e com a cumplicidade de um façanhudo revisor da CP, conseguiu viajar de graça, junto com o ver uma aranha desafiar e vencer as regras criadas p´los homens, fez-me acreditar de novo numa velha máxima:
“O mundo e a vida não são nem bons nem maus. São apenas. Há é alguns homens que tratam de estragar a vida e o mundo, em contra-ciclo com muitos outros.”
E ontem tive uma boa dose de uns e de outros.

By me 

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