segunda-feira, 18 de março de 2013

Desbotado




Pego num livro mais ou menos ao calhas e sai-me este: “Dicionário das cores do nosso tempo”, de Michel Pastoureau. Tem, por subtítulo “Simbólica e sociedade”.
Em tempos entretive-me a divulga-lo por inteiro, tratando eu das ilustrações, feitas mais ou menos a correr e de acordo com o que ia encontrando na web.
Abrindo-o igualmente ao calhas, encontro esta entrada. A ilustração foi a que usei, há oito anos:

Desbotado
Durante séculos, as cores que não penetravam profundamente nas fibras do tecido, que não resistiam ás lavagens frequentes nem aos raios do sol, que davam aos tecidos e aos fatos um aspecto desbotado, deslavado, descorado, “mijado”, foram tidas em pouca consideração. Eram sinal de pobreza, reservados para os fatos de trabalho, ou até mesmo para os fatos de infâmia (nomeadamente na iconografia). O chiquíssimo era então a cor densa, saturada, estável, sólida, que resistia tanto à água como ao ar ou à luz. Numa palavra, a cor “tinta forte”, que durante décadas, no final do século XIX e no início do século XX, os fabricantes de têxteis e de fatos elogiaram e os vendedores de lixívias e os construtores de máqui­nas de lavar se esforçaram por não alterar (ao princípio, em vão).
Hoje em dia, a “tinta forte” já não é um valor. Todas as cores, aplicadas aos mais diversos materiais têxteis, são “tinta forte garan­tida”. O desbotado e o mijado tornaram-se, portanto, raridades e, por consequinte, particularidades procuradas. Como tantas vezes acontece, o pêndulo inclinou-se na outra direcção e a escala de valores inverteu-se. Assim, vendem-se, hoje em dia, camisas, T­-shirts, calças, roupa interior, fatos de banho e de desporto, com um aspecto desbotado (muitas vezes, desbotado e roçado). E são mais caros do que as roupas com tintas sólidas e uniformes. O mais extraordinário (e também o mais absurdo) é que todos esses tons desbotados, que parecem girar à volta de cores instáveis, se torna­ram duma espantosa solidez e, uma vez aplicados ao tecido, já não evoluem, nem com a lavagem nem com o sol. São “tinta forte”.
Foi na gama dos azuis que estas práticas se tornaram mais correntes, tendo sido os blue .jeans os primeiros a lançar essas modas e a articular as combinações mais desabridas. A tal ponto que, em domínios que nada têm a ver, nem com a roupa nem com os tecidos, se diz hoje, em francês corrente, ,jean e mesmo stoned jean ou bleached jean para designar certos tons de azul. Em Toulouse (antiga cidade do pastel) e em Marselha (antiga cidade do anil) deve haver muitos tintureiros a dar voltas no túmulo.

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