quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Uma boa fotografia?




Um dos prazeres da fotografia é o desafio que nos levanta. Confrontados com um dado assunto ou objecto, conseguirmos usar a luz (quantidade e qualidade), materiais sensíveis, perspectivas e suporte final para reproduzirmos o que vimos ou imaginámos. A transposição da tridimensionalidade para a planura do ecrã ou papel.
Um dos temas que tenho por mais difícil de fotografar é vidros, joalharia ou cutelaria. Para além da questão do contexto em que são mostrados, o seu brilho e textura levam a que o rigor na tomada de vista seja levado muito a sério. Nunca tentei fotografar profissionalmente automóveis, mas creio que as dificuldades sejam semelhantes.
Outro tema que tenho por difícil é o bicho-homem. A sua mobilidade constante, a permanente mudança de expressão e de humor, a necessidade de transpor para a imagem a sua alma, karma ou o que lhe queiram chamar, torna este género fotográfico num dos mais difíceis e polémicos.
Acrescente-se que o retrato é a “pérola da dificuldade” já que, e para além da crítica do fotógrafo e de público em geral, o próprio retratado é o que há de mais exigente. As questões técnicas e estéticas em geral deixam-no indiferente, mas as poses, as expressões, os olhares e sorrisos ou a postura corporal são vitais. E a culpa é sempre do fotógrafo.

Um bom exemplo desta prática e dificuldade é o meu projecto “Old Fashion”. A perspectiva é escolhida por mim, considerando os elementos do fundo, a luz e a sua rotação de 90º durante o tempo em que ali estou.
Para simplificar o processo, os retratados são colocados em zona de sombra, tal como o fundo. Não apenas reduz os eventuais excessos de contraste, difíceis de controlar neste método, como ainda permite que os sistemas automáticos de focagem e exposição funcionem medianamente bem.
O local onde os fotografados se colocam também é por mim escolhido. Por uma questão de composição de elementos – o corpo é vertical, o enquadramento é horizontal – como também para que exista algum contraste de tons e luz entre o torso e o fundo. Nem sempre consigo que fiquem onde gostaria, já que demasiado controlo nesse aspecto retira alguma espontaneidade aos fotografados. E a câmara, compromisso meu, não sai do local.
Sobre a pose, pouco ou nada intervenho. Para além de ajustar um tudo ou nada o eixo corpos em relação à objectiva, se for demasiado chocante o que naturalmente assumem, e de deixar cair uma laracha no momento da obturação, o resto é por conta deles.
De tudo isto resultam fotografias que técnica e esteticamente estão no limite do aceitável. Algumas abaixo, talvez. Mas a reacção dos retratados é particularmente divertida.
Ainda que a fotografia seja fracota, quase todos dizem que gostaram e que ficou boa, manifestando algum espanto que aquela caixa as possa fazer. Mesmo que as suas expressões demonstrem que não gostaram por aí além.
As suas preocupações debruçam-se sobre as poses, os sorrisos, os olhares… Uma senhora houve que, olhando para o papel que tinha na mão, comentou: “Esta sou eu, não é?” Pela conversa prévia e posterior, entendi a sua tristeza face às agruras da sua vida. Uma outra, brasileira e na casa dos quarenta, comentou o quanto tinha envelhecido nos últimos dois anos, tempo da sua estada por cá. A gente jovem ri-se de si mesma e procura com afinco os olhos e a expressão da boca. Num caso, cheguei mesmo a ter que ceder a minha lupa do relógio para que fossem vistos.
Mas, muito curioso, é o facto de serem os agentes das forças de segurança (PSP e GNR) os mais exigentes com o que vêem e recebem. É neste grupo, independentemente das idades e cuja maioria quer a fotografia em papel mas recusa a sua publicação na web, que se encontram as mais duras críticas. Quer seja a luz, quer seja o instante da expressão captada, quer seja pose ou local escolhido, quer seja por parecerem mais gordos… Nem mesmo outros fotógrafos que quiseram ser fotografados foram tão críticos. Não sei se esta atitude de rigor advirá dos seus ofícios, em que não deixam de ser o que são estejam fardados ou à paisana.
Quanto aos demais fotografados, em regra, tomam por uma boa fotografia aquela que não o é, e que por vezes é medíocre.

O que me põe a perguntar, muito seriamente: “Afinal, o que é uma boa fotografia?”

Texto e imagem: by me

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