terça-feira, 29 de novembro de 2011

Uma questão de códigos




Esta é uma história com mais de um quarto de século.
Andava eu e mais uns companheiros de ofício a colaborar nas horas vagas com uma outra empresa. Na altura não se falava em concorrência ou quejandos, pelo que as questões éticas não se levantaram em momento algum.
Um dos sócios dessa empresa, aquele que era responsável pelos pagamentos e contratações, era um troca-tintas que tinha vivido no Brasil e onde não poderia voltar em segurança: se escapasse à polícia tinha uns tantos traficantes de armas à sua espera. Vidas que alguns levam!
E por cá levava uma vida parecida, sendo relapso nos pagamentos a colaboradores e fornecedores, sempre com desculpas, bem contadas mas esfarrapadas.
Um dia eu e um companheiro achámos que já chegava e fomos lá para acertar as últimas contas. Recordo que nem seria muito, mas era nosso e queríamo-lo.
E dizia-nos ele, sentado à secretária em frente da qual estávamos de pé:
“Eh pah! Agora não dá jeito! Talvez que daqui a quinze dias… Passem por cá que logo se vê.”
Achei que não seria nem logo nem dali a quinze dias. Tal como estava, de pé e com a minha já então volumosa barriga à altura dos seus olhos, pus as mãos nos quadris, puxando com isso as longas abas do meu colete para trás. E, ainda que meio encoberta pela camisa, ficava bem visível a coronha da pequena arma que trazia comigo no cinto. Enquanto que eu perguntava, com ar sério e inocente:
“Então como é que vamos resolver as coisas?”
Fez-se um silêncio de alguns segundos naquela sala, enquanto que os nossos olhos se entrecruzavam. Pegou no telefone interno e deu instruções para que os nossos cheques fossem preenchidos. Com os quais saímos pouco depois, indo de imediato levantá-los ao banco, por via de dúvidas.
Nunca mais o vi e apenas dele soube que havia publicado um livro, que me recusei terminantemente a ler. Suponho que já tenha falecido. Dos seus sócios, se na altura nada tinha a lhes apontar, hoje assim continuo, sendo que há sempre uma saudação efusiva de cada vez que com um deles me cruzo.
Serve esta história (não muito edificante ou abonatória a meu respeito, confesso) para ilustrar o como é importante a partilha de códigos no processo de comunicação. Que emissor e receptor usem da mesma linguagem. Ou a eficácia da mensagem se perderá porque não entendida.

Nota extra: cada vez mais, e hoje foi um desses dias, lamento ter deixado de andar armado que não apenas em parvo.

Texto e imagem: by me

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