segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Plasticidades - Verso e reverso




Verso

Um destes dias apresentar-me-ei no Parlamento, pedirei respeitosamente a palavra e, quando me a derem, lerei a minha proposta de revisão do código civil, penal, comercial, fiscal, …
Tratar-se-á de uma obra volumosa, de muitas páginas, tendo escrito na última a palavra “continua” e coisa nenhuma em todas as outras.
O bicho-homem, na sua busca de uma sociedade perfeita, justa e livre, acaba por fazer exactamente o oposto: usa uma teia intrincada de leis, regras códigos, normas, imposições e proibições que, ao invés de o libertarem, apenas o mantém limitado.
Na expressão plástica acontece o mesmo. Os autores vêem-se confrontados com os limites dos suportes. Definidos em formas padronizadas pela indústria e com regras concebidas em tempos de antanho e consideradas inabaláveis.
No caso da fotografia ainda se vai mais longe, levando o acto de distribuir as formas dentro do suporte com o nome de “enquadramento”. Colocar dentro de um quadro ou quadrado, com limites bem visíveis.
As indústrias de câmaras, papeis, molduras, imprensas, jornais, TVs, cinema, web, revistas… seguem pela mesma linha.
Um quarto ou meia placa, dois por três, três por quatro, widescreen, cinemascope, meia página, mancha inteira, duas colunas…
Estou em crer que o artista plástico mais livre da história do Homem, terá sido o nosso ante-ante-antepassado. Com as suas pinturas e gravuras rupestres e a ausência de limites ou imposições.
Talvez que o seu descendente actual seja o pintor de graffitis, mas mesmo assim é discutível.
Mas certamente não serão os fotógrafos que, nas artes plásticas, se comportam com mais liberdade ou a assumem, atados que estão a regras e limites.

P.S.: Não sei se sou fotógrafo, se não sou fotógrafo ou se sou uma coisa ambivalente, vivendo dentro das minhas próprias contradições!


Reverso

Vir aqui, ou onde quer que seja, gritar “Abaixo a regras e as leis! Viva a liberdade total!” é bonito.
Dá um aspecto de rebeldia, de excentricidade, de enfant terrible, agravado pelo facto de quem o diz não ser exactamente um adolescente a querer marcar um lugar ao sol.
Se a estas afirmações lhe juntarem um toque de anarquismo e se falarmos de artes, a classificação passa para um intelectual, eventualmente culto, que sabe do que está a falar.
Mas como a Terra gira sempre e mesmo nos pólos existe o dia e a noite, temos que ver a questão do outro lado também: as convenções, as razões da sua existência, a sua eficácia e necessidade. Mesmo que falemos de arte e de formas de expressão.
A espécie humana é gregária. Se exceptuarmos alguns excêntricos que decidem levar uma vida de ermitas, todos os indivíduos se juntam, tentando usar as suas próprias fraquezas individuais em proveito próprio e dos outros. Unidos temos mais força.
Mas esta vida em grupo só é possível se nos entendermos, se comunicarmos os nossos desejos ou necessidades e se os outros elementos do grupo (um continente, um país, uma religião, uma família) entenderem o que queremos dizer.
Até aqui nada de novo!
As artes, maiores ou menores - e incluamos nelas a fotografia - são uma forma de expressão individual mas também, quiçá principalmente, uma forma de comunicação.
Haverá alguns que dirão que fotografam (pintam, escrevem, compõem, etc.) para si mesmos, pouco lhes importando a reacção dos seus iguais.
Isto é uma mentira do tamanho de um comboio!
Por muito egocêntrico que se seja, por muito auto-suficiente que se se declare, por muito que se aparente uma indiferença total pela opinião dos demais, sempre se sente satisfação quando o nosso trabalho é reconhecido e agrada. Fotografias incluídas.
Para que este agrado aconteça, há que conhecer o que e como os outros gostam e, de algum modo, ir ao seu encontro. A mais das vezes até não é difícil, já que somos fruto de culturas semelhantes ou iguais e a globalização vai-as aproximando a cada dia que passa, estreitando os conceitos de bom e de mau – no relacionamento entre indivíduos ou grupos e nas artes e comunicação.
Os que hoje vivem, nasceram e cresceram sob a égide dos audiovisuais (fotografia, cinema, tv, web) que, de tanto divulgados, formataram os gostos e as preferências. E os códigos de comunicação, já agora.
Assim, é mais ou menos fácil de fazer um trabalho fotográfico que agrade. Basta usarmos como referência os gostos colectivos, escolhermos deles uma linha ou abordagem que mais nos agrade, introduzir um pequeno elemento de diferença que crie alguma surpresa et voilá: aí estamos nós a comunicar e a agradar!
Aqueles raros génios que rompem com os códigos e normas de comunicação e expressão artística estabelecidos são, em regra, repudiados. Pelo menos numa primeira fase. Porque o academismo não aceita a fuga aos cânones tradicionais, porque o comum do consumidor ou receptor da mensagem não o entende e aos seus códigos e não quer ter trabalho para o decifrar…
Com o passar do tempo, este novos códigos acabam por ser entendidos, vingam e, alguns, são elevados à categoria de mestria.
Mas a maioria dos indivíduos não têm a capacidade (ou não se querem dar ao trabalho) de inovar tão radicalmente. Contentam-se em usar os códigos de comunicação instituídos (ou não são capazes de deles se afastarem) e procuram que os seus iguais os descodifiquem de imediato, na busca do reconhecimento e da satisfação.
Esta atitude conservadora, que não é nem boa nem má, é tanto mais vital quanto quem está a comunicar é um profissional ou especialista de comunicação. O seu trabalho é fazer passar mensagens (escritas, pintadas, fotografadas) e quanto maiores forem as dificuldades na percepção do seu conteúdo, mais difícil se torna ele encontrar trabalho ou clientes.
Estes profissionais debatem-se diariamente com o mesmo problema: usando as regras para a facilidade e eficácia da comunicação (códigos conhecidos, estéticas reconhecidas, uma pitada de surpresa), ficam muitas vezes limitados no até onde podem ir na inovação. Em regra, não muito longe.
E isto passa-se com os fotógrafos também, que a fotografia é uma forma de comunicação. Quer se trate de fotógrafos amadores ou profissionais. Se pretendem que o seu trabalho, a sua expressão - individual ou a pedido - seja entendida pelos seus iguais, pelo público anónimo das revistas ou bem identificado na família, amigos ou conhecidos, tem que usar os códigos, as regras, os métodos reconhecidos por eles. E, se puder ou souber, colocar uma pitada de surpresa pelo caminho para fazer a diferença.
Terá se que se ater às paletes de cor dos suportes, aos formatos industrializados, às perspectivas convencionadas e inteligíveis, aos sentidos de leitura e aos suportes finais de exibição.
Não respeitar os códigos de comunicação, mesmo na fotografia, é correr o risco de ser recebido com um sorriso de condescendência ou mesmo a indiferença explícita.
E quem é que gosta de assim ser tratado?

Texto e imagem: by me

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