segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Dejà vu



A minha primeira intervenção pública sobre a matéria foi há quase trinta anos e foi uma “barraca”!
Gravava eu uma peça de teatro, em estúdio, e quiseram que fizesse um conjunto de planos variados sobre um quadro. Não recordo nem o quadro e muito menos o autor (ele que me perdoe). Recordo, antes sim, que me recusei a fazê-lo!
Argumentei com a veemência da juventude e a certeza da razão que não deveria ser truncada a obra de um artista, neste caso um quadro. Não se estava a fazer um trabalho de crítica ou análise sobre a obra ou o autor mas tão só a aproveitar o trabalho intelectual de outrem com fins que nunca sonhados por quem o tinha feito e, ainda por cima, a destruir esse mesmo trabalho ao fragmentá-lo.
A discussão foi feia, tanto com quem realizava o trabalho televisivo como com os colegas seniores que comigo constituam a equipa de câmaras.
Mas não arredei pé nem cedi um milímetro que fosse! Eu não o faria. Eu não iria destruir um trabalho criativo, mesmo que para fazer um outro.
Acabei por ser afastado daquela gravação, substituído por outro operador que não tinha os meus escrúpulos e, durante uns tempos, estive “de castigo”, arredado dos trabalhos que davam gozo fazer e remetido para as emissões, chatas e monótonas.
Mas dormi tranquilo naquela noite e em todas as que se lhe seguiram. Da mesma forma que não aceito que trunquem, fraccionem, destruam aquilo que eu mesmo crio, não serei eu que o farei às obras de outros.

Os anos foram passando, eu envelhecendo e ganhando experiência (alguma, pelo menos) mas neste aspecto continuo tão seguro quanto o estava então. E, ao longo de todo este tempo, muitas têm sido as conversa, mais tranquilas ou mais acesas, com repórteres de imagem e jornalistas. Tentando convencê-los que num trabalho em que se informa da existência de uma exposição ou equivalente, em que não há, por parte de quem o faz, uma atitude crítica ou analítica mas tão só de divulgação, o respeito pelo trabalho autoral deve ser primordial. Inventem-se soluções estéticas ou técnicas que o respeitem, gaste-se mais tempo com dada imagem ou reportagem mas, por favor, respeite-se o autor e a sua criatividade.

Dificilmente, hoje, voltarei a ser confrontado profissionalmente com uma situação análoga. Cada vez menos se usa de tempos de antena para mostrar eventos culturais e menos ainda em estúdio, que eu não ando em reportagem. Mas se a situação se repetir, será um dejà vu com quase 30 anos!

Texto e imagem: by me

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