quinta-feira, 21 de julho de 2011

Lucubrações sobre like e share



Comentei, um destes dias, que as redes sociais têm um lado perverso que o poder, aquele que não se preocupa com crises económicas nem quedas de governos, aplaude e acarinha.
Não me refiro, naturalmente, à mais que badalada virtualidade das amizades e relacionamentos. Já toda a gente sabe que por estas bandas se criam amizades como quem cria galinhas.
Refiro-me antes sim, a um aspecto, melhor dizendo dois aspectos transversais ao uso da web enquanto local de comunicação e troca de ideias.
Em primeiro lugar, e muito curiosamente, existe real troca de ideias. Mas muito poucas são originais. É assustador o número de utilizadores das redes sociais que partilha conteúdos – vídeos, texto, áudio, fotografias, links – mas que muito pouca coisa põe de si.
Pouco pensam, deixando-se levar por ideias e pensamentos alheios, assumindo-se como participantes activos na web apenas porque indicam a outros aquilo que outros lhes indicaram, que por sua vez lhes foi indicado por alguém que recebeu a indicação e que…
Ideias originais, sob a forma de palavras ou audiovisual, são a web e as redes sociais tristemente pobres, se compararmos o número de utilizadores com o número de fornecedores de conteúdos.
É mais fácil encontrar pensamentos originais numa conversa de café sobre o jogo de bola da véspera que aquilo que podemos encontrar nas redes sociais.
E isto é perverso!
Quando as pessoas usam do seu tempo, dito “social”, em busca de coisas que outros tenham feito ou pensado, no lugar de pensarem ou fazerem por si mesmos, perdem a capacidade de fazer ou produzir. Acomodam-se ao “copy/past” ou ao “click”, conforme se goste ou não daquilo que se encontra.
Acrescente-se que é particularmente fácil (até há cursos superiores que o ensinam) criar conteúdos agradáveis e apelativos, que dêem vontade de partilhar e encham de satisfação quem o faz, mas cujas mensagens podem ser, encapotadamente, perigosas, falaciosas, manipuladoras, demagogas ou mesmo falsas. E quando a prática de pensar se vai perdendo, quando nos habituamos a usar os pensamentos e criações dos outros sem as por em causa ou mesmo nelas pensar um nico que seja, o isco é engolido, junto com o anzol e a chumbada.

O outro aspecto pernicioso das redes sociais prende-se exactamente com o oposto: com aquilo de que se não gosta e a capacidade de protestar.
Confrontado o cibernauta com um conteúdo negativo, de que não gosta, trata de o divulgar através do seu “espaço” virtual com um comentário desfavorável ou de protesto. Os mais activos proporão que alguma coisa a ser feita contra aquilo. Mas nada mais.
Que, entretanto, chamaram para o jantar, entrou um cliente ou utente, chegou a hora de ir dormir. O protesto ou intervenção do cidadão ficou-se por ali. Até porque, no dia seguinte se encontrará outras coisas para protestar ou denunciar, e esta cairá no esquecimento como sendo apenas mais uma. A capacidade de protesto e indignação vai-se desgastando aos bocadinhos, em minúsculos desabafos virtuais e fica incapaz de concentrar úteis actos de intervenção na sociedade.
Deixa-se, assim, de protestar nas ruas, através das vias legais para tal, de boicotes, do confronto directo e cara a cara com a origem do problema ou situação. E muito menos se demonstra esse desagrado ou protesto junto dos vizinhos, dos colegas, dos familiares, dos concidadãos. Aliás, no dia seguinte já o assunto está esquecido!
Claro está que há situações de excepção, como são bons exemplos as revoltas recente em países árabes, em boa parte despoletadas e convocadas através de redes sociais, a marcha de protesto da chamada “Geração à Rasca”, por cá, ou a manifestação convocada por SMS em Madrid, dias depois dos atentados de Atocha, e que terá feito uma forte contribuição para a queda do governo Espanhol nas eleições que aconteceram pouco tempo depois.
Mas postas de parte estas excepções (e outras haverá certamente) o utilizador-tipo das redes sociais restringe o seu protesto ao que nelas faz antes do jantar, do cliente ou da cama. Faz manifestações de “rua” no conforto do seu sofá, que é bem mais cómodo, não se enfrentam as autoridades nem se tem engarrafamentos no regresso a casa. Havendo ainda tempo para seguir a série televisiva preferida.
E o poder gosta à brava destes protestos virtuais, desta utilização das redes sociais como sublimação do desagrado e desconforto social. Que, no dia seguinte ou depois do almoço estes “contestatários virtuais” voltarão aos seus trabalhos rotineiros e mal pagos, mantendo bem oleada e funcional a máquina de produzir mais-valias que alimentam algumas – poucas - contas bancárias.

Mais ainda: esta forma de não pensar e não agir factualmente é o que mais desejam aqueles que, bem mais que participarem no joga das finanças ou nos jogos eleitorais, se deliciam no jogo do poder, na capacidade de tomar decisões de fundo e estas serem cumpridas sem alvoroço ou contestação.
E, ainda que corra o risco de ser conotado com alguma das muitas teorias da conspiração que por aí pululam, estou em crer que alguns desses jogadores, desses senhores do verdadeiro poder, terão gente muito inteligente por conta que mais não farão que criar e alimentar essas redes sociais, por forma a manter ao ovelhas no redil virtual. Alimentadas com coisas de que gostam e de que não gostam que vão partilhando aqui e ali, ao mesmo tempo que se mantêm disponíveis para a quase inevitável tosquia.

Quando, em tempos idos, os protestos aconteciam no largo da aldeia, no tasco ou no lavadouro, também aconteciam discussões e discursos inflamados, que se espalhavam com eficácia nos actos, levando os presentes a partirem dali para fazerem o que ali fora decidido ou sugerido.
Hoje os actos são tão virtuais quanto as redes.


Texto e imagem: by me

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