terça-feira, 28 de junho de 2011

Obituários



Há cerca de três anos faleceu, no meu prédio, uma senhora.
Esteve doente por muito tempo, foi objecto de duas intervenções cirúrgicas, mas de nada serviram. Metia dó, vê-la na rua, amparada pelo marido e pelas duas filhas. Acredito que o fim da sua prolongada agonia tenha sido um alívio para todos. Nunca eu soube o seu nome.
Há coisa de ano e meio morreu, também no meu prédio, uma outra senhora. Esta já de idade avançada, como o marido, ia-a vendo no entrar e sair do prédio, sempre com uma saudação amável. Um dia, soube que tinha morrido.
O viúvo, esse, vou-o vendo, como sempre, agora em aliviado o período natural de nojo, com a mesma simpatia que sempre lhe conheci. Também dela nunca soube o nome.
Há umas seis semanas morreu um rapaz da minha rua. Com 19 anos, não sobreviveu a um acidente de automóvel. O condutor, também morador cá na rua, sofreu apenas uns arranhões, já que tinha o cinto de segurança posto. Dos dois também ignoro os nomes.
Curioso é o ter perguntado por estas três pessoas hoje, no café que todos eles frequentavam, e também aí se ignorava como se chamavam. Lembravam-se, vagamente, das pessoas em causa, mas dos nomes, nada.
E no entanto…
No entanto todos, no café, no elevador, na paragem do autocarro local, todos sabiam de cor o nome do outro, daquele que nunca viram de perto, que nunca lhe conheceram o hálito ou a cor da pele não maquiada. Daquele que nem sequer sabiam onde morava ou mesmo quantas pessoas viviam na mesma casa.
Refiro-me, muito naturalmente, a Angélico Vieira, cujo nome e fotografia têm enchido os media, a propósito do acidente de que foi vítima. Do mesmo de quem os media referiam as qualidades e de como os amigos e familiares fizeram vela junto ao hospital, na esperança de que a sua presença influenciasse o correr da natureza e diminuísse a gravidade das lesões que sofrera.
Quando confrontei a senhora que trabalha num outro café, este na estação do bairro, disse-me ela que esses outros, novos, meia-idade ou velhos, não eram figuras públicas. Como se só dessas nos devêssemos condoer ou se só essas fossem merecedoras do nosso conhecimento. Os outros, os desconhecidos, mesmo que partilhem a rua, o café, o prédio, desses não reza a história. Nem mesmo a do bairro!
Quando eu mesmo morrer, quero que os que mim se lembrem o façam por aquilo que sou e faço hoje, no anonimato de ser cidadão, e certamente que não porque alguns jornais ou tvs decidiram que a minha pessoa faria aumentar as tiragens ou audiências.

Texto e imagem: by me

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