sexta-feira, 17 de junho de 2011

Fotografias



Eu não gosto de fotografia. Das minhas fotografias. Das fotografias que fiz no passado!
Estranho? Eu explico:

Passear os dedos e os olhos pelos arquivos de imagem é um estímulo à memória. Todos sabemos que a memória visual é a mais potente. Assim, a cada imagem que vou vendo do passado, recordo das suas circunstâncias. Quando foi feita, ambiências, motivações, antecedentes e consequentes…
Como dizia a Kodak, na sua publicidade bem conseguida, “Para mais tarde recordar”
Acontece que este estímulo pela memória visual, de uma forma ou outra, acaba por ofuscar a “verdadeira”memória que temos, aquilo que, por este ou aquele motivo, retemos num local especial da memória como importante e que vamos recordando de quando em vez. Um aroma, um som, a suavidade de uma pele ou o paladar exclusivo de uma iguaria.
E o que vimos.
E só fotografamos a enésima parte do que vemos.
E o que vemos é um quinto daquilo que os nossos sentidos nos transmitem…
Daí que, fotografar momentos especiais – férias, aniversários, festas, etc – é atraiçoar aquilo que consideramos relevante.

Prefiro acordar a minha memória com outros estímulos – uma conversa, uma música, um beijo. Quando ela se levanta lá do fundo das células cinzentas, vem por inteiro, sons e imagens, cheiros e tactos.
A recordação assim é integral, Os neurónios, com as suas temperaturas e descargas eléctricas levam-me inteirinho no tempo e o espaço para essa outra vivência.
E eu “vejo” aquilo que terá sido relevante, aquilo que na altura me marcou. A imagem mental é completa, quase ouvindo e cheirando. Sentindo a suavidade de uma face acariciada ou o acridoce do saborear.

Ver as fotografias que fiz algures atrás no tempo é manipular a minha memória, é condicioná-la àquele momento e àquele conjunto de fotões que chegaram à película ou ccd.

Vem toda esta conversa meio (muito!) confusa a propósito de um e-mail que recebi há uns dias de um velho amigo e companheiro de trabalho e outras vivências.
Mandou-me ele uma lista de 50 linhas onde eu tinha alinhado um guião de uma “slide-novela”, como então lhe chamámos.
A ideia era cada um inventar e contar uma história em diapositivo, ilustrá-la com som e exibi-la. À imagem e semelhança das novelas televisivas de então (e de hoje, já agora). Cada um de nós que estávamos no projecto contaria com a ajuda de representação dos demais. Experiências…!

Volta e meia, ao passear-me pelos meus arquivos fotográficos, tenho tropeçado nessas imagens, agora desagrupadas. Fui-as usando, ao longo dos anos, em outros projectos, lectivos ou outros. O trabalho, no seu todo, desapareceu. Já nem sequer possuo o tal “guião” ou a música.
De cada vez que olhava para cada uma delas, recordava as circunstâncias da sua execução: os jogos de luz, o trepar à árvore para a perspectiva certa ou possível, o pedir a utilização de lojas como cenário, a confusão que foi no café quando se mostrou a navalha de ponta e mola…
Mas nem me recordava do projecto no seu conjunto, das conversas em torno dele, da exibição única que este audio-visual teve, da sequência da estória…

Por estas e por outras, de férias não trago recordações fotografadas.
Apenas me aproprio dos vestígios que a luz deixa de pormenores que gostaria de possuir, daquilo que nunca será meu e que tenho pena: um jogo de luz e sombra, um detalhe de uma cornija, uns olhos que inflamaram a minha paixão…
Quanto ao resto, prefiro ir vivendo em pleno e, como um mau coleccionador, apenas evitar que apanhe bolor o resultado da minha cobiça.


Texto e imagem: by me

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