quarta-feira, 22 de junho de 2011

Expedientes



Uma destas noites dou-me mal! A sério que me dou.
Preparava-me eu para ir conversar com Morfeu, já não tão cedo quanto isso considerando a hora a que acabaria essa conversa, e batem-me à porta. Sendo que ainda estava em trajes decentes, fui saber quem seria.
Tratava-se uma senhora minha vizinha, aliás, recém vizinha, que me perguntou se teria uma chave com que pudesse abrir a porta dela.
Imagine-se o meu olhar de espanto. Ter eu uma chave que abrisse a porta dela. Talvez que, noutras circunstâncias e com mais aprofundados conhecimentos, isso fosse possível e até agradável. Mas sendo que a conhecia apenas de vista e que nunca trocáramos mais que uns circunstanciais cumprimentos, seria difícil de acontecer.
Lá lhe expliquei que não, que não tinha, ao que me contou que tinha deixado a chave em casa e a porta se fechara.
“E está no trinco?” estava! “Então espere um pouco que lhe vou mostrar um truque.”
Voltei a casa e regressei com uma garrafa de litro e meio de coca-cola, vazia. Já no patamar e usando do meu canivete, retalhei-a da forma que se vê, ficando com uma tira de pouco mais de 25cm de plástico. Com ela, e através da frincha, lá lhe abri a porta. Levei um pouco mais tempo do que esperava: no lugar de dez, precisei de quase trinta segundo, que não encontrava a malfadada lingueta a empurrar.
O seu olhar, inicialmente molhado, secou rapidamente e de espanto passou a agradecimento.
E, antes que recuperasse o fôlego, expliquei-lhe a rir, que aquele não era o meu ofício, que não andava a assaltar casas.
“Eu também não!” exclamou também já rir, exibindo um arame retorcido com que tinha tentado fazer como nos filmes, no buraco da fechadura.
Rimos mais um pouco, trocámos nomes e um aperto de mão e regressámos a casa, cada um à sua entenda-se. E se ela foi fazer o quer que tenha sido que costuma fazer em sua casa, eu fui directo para a cama, que o toque de alvorada é particularmente cedo por estes dias.
Mas já deitado, e enquanto esperava pela chegada da inconsciência do sono, fiquei a pensar no episódio.
É que, aqui neste prédio e que me recorde, é terceira vez que assim ajudo um vizinho. E se a coisa se sabe pode ser perigoso. Ou bem que sou contactado pela polícia, depois de uma casa assaltada com este método, ou sou acordado a altas horas da madrugada por alguém do prédio em apuros.
Ou, pior ainda, ser processado pela Coca-Cola por estar a usar as suas garrafas para arrombar portas.

Texto e imagem: by me

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