sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A luz



É um hábito velho que tenho. Felizmente não tenho tido oportunidade de o por em prática nos últimos tempos.
Em estando em casa e em faltando a energia eléctrica, a primeira coisa que faço é verificar se alguém terá ficado preso num elevador. Não que tenha como abrir as portas e retirar a pobre vítima, mas uma conversa com alguém pode aliviar algum sentimento de claustrofobia que possa existir.
Em verificando que está tudo bem, regresso a casa e desligo os aparelhos passíveis de tal. Não apenas os poupo ao pico de corrente do seu regresso como é algo a menos a sobrecarregar a rede nesse momento.
Em seguida, e se for de noite, vou à cozinha. Lá tenho um saco especial para estas ocasiões. Contem ele velas, compradas e cortas especialmente para estas ocasiões. E com ele, uma lanterna com pilhas frescas e tabaco qb, desço à porta do prédio e deixo-me ficar por lá. Se não estiver de chuva, na rua, em estando, na soleira e no pátio de entrada.
E deixo-me ficar por ali até serem horas de todos os vizinhos do prédio terem regressado a casa, algures pela uma da manhã, mais coisa, menos coisa, ou em alternativa até a energia regressar.
E a cada vizinho que passe na rua, vou alumiando-lhe o caminho ou, se entrar no prédio, a fechadura. E ofereço-lhe uma das minhas velas, para que veja o subir das escadas e aquilo que tenha a fazer dentro de sua casa.
A maior parte deles acaba por não aceitar a minha oferta, que se vai governando com a luz do telemóvel até chegar a casa e lá tem outros recursos. Mas há sempre algum menos prevenido que aceita e usa.
Sendo que o meu prédio volta e meia muda de residentes, há sempre quem me não conheça e a este meu hábito e se surpreenda com ele. E, naqueles dois minutinhos entre o abrir da porta e o receber a vela, alguns perguntam-me como poderão devolver a vela. Costumo dizer-lhes que, se sobrar alguma, sempre ma podem deixar na caixa do correio. Mas apagada, por favor. Um sorriso, no escuro da noite, e seguem pelas escadas à sua vida.
Pois uma terça-feira faltou a luz e cumpri o meu ritual. E a minha surpresa foi no sábado seguinte: na caixa do correio tinha uma embalagem de velas novinhas em folha.
Não sei quem o fez, nem sequer é importante. Se calhar já nem aqui mora.
O que importa, isso sim, é essa pessoa ter esperado por sábado, para ir às compras e procurado velas no mercado, coisa que sei ser difícil de encontrar, pelo menos daquelas simples, brancas, de uns quinze centímetros de comprido. Não esqueceu essa pessoa, que desconheço, a utilidade das velas e creio que, em não lhe sendo possível fazer o mesmo, quis que não me faltassem.
Acredito também que, numa ocasião em que o possa fazer, estará também à porta do seu prédio, dando uma mãozinha a quem passe.
Ganhei o dia nessa noite. E confirmei o que já sabia: a luz pode vir de um candeeiro apagado!

Texto e imagem: by me

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