sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A boneca


Quando cheguei a esta paragem de autocarro, já ela lá estava.
Com perto de um metro de altura, sentava-se dignamente no banco, esperando a menina que já tinha embarcado.
Depois, outros viajantes foram chegando, olhando desconfiadamente para a boneca.
E ninguém se sentou ao lado da boneca.
E alguém lhe levantou a ponta do vestido, tentando ver como estava composta.
E um outro alvitrou que, noutro país, seria de desconfiar se seria uma bomba disfarçada.
E um valentão foi lá verificar-lhe o peso.
E o autocarro chegou e embarcamos.
E eu levei comigo a recordação gráfica da boneca e este poema quase sabido de cor:


Teatro da Boneca

A menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca
A boneca ninguém sabe se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.

E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.
A boneca enche a casa toda.

É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.
A boneca.
A boneca.

Poema: by Carlos Queirós
Imagem: by me

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