quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cores e felicidade



A senhora era anafada. Bem, poder-se-ia dizer que era gordinha. Deixemo-nos de gentilezas: a senhora era mesmo gorda!
Não daquelas que, estando de lado, parecem estar de frente e que, estando de frente, parecem ser duas.
Mas o peso deduzido do seu volume faria tremer de medo as pernas de uma cadeira frágil.
Acontece que, nesse dia, estava calor. Se bem me recordo, os termómetros mostravam uns intimidativos trinta e poucos graus o que, considerando que não o faziam há vários meses, aumentava a sensação de calor. Toda a gente se abanava e queixava do calor, tal como se queixam do frio, do custo de vida, dos políticos…
Mas, se contra os políticos e o custo de vida pouco ou nada fazem as pessoas, já contra o calor fazem o costume: vestem roupas de dimensões reduzidas, de tecidos ligeiros, tentando que qualquer aragem arrefeça o corpo aquecido pela atmosfera abrasadora.
A senhora em questão fazia como os demais: Não sei se se queixaria, que não lhe ouvi a voz, mas que reduzira a área corporal coberta, isso fizera. E fizera-o na mesma proporção do volume que possuía: muito.
Assim, e para além dos limites do tecido que lhe cobria pudicamente o corpo, mostrava uns braços papudos de celulite; mostrava a alvura do peito, volumoso em todos os sentidos, e cujo decote, porque muito generoso, quase parecia ser a parte superior de um cinto largo; mostrava a pernas grossas (e bota grossa nisso), a ponto de fazer pensar se algumas das pessoas que a poderiam estar a observar não seriam mais leves que aquelas coxas.
A dona de tal corpo e de tão pouca roupa parecia feliz com a vida e consigo mesma, a deduzir pelo passo tranquilo de que fazia uso, bem como do sorriso que lhe animava o semblante. Por sinal, um bonito sorriso.
Mas o mesmo não se pode dizer dos dois conhecidos meus que, comigo, aproveitavam a sombra de uma árvore para fumar um cigarro. Após a passagem pouco discreta daquela senhora, começaram a tecer comentários sobre ela. Em particular sobre o seu volume e o quanto dele se via para além dos limites do vestuário que usava.
Nada de estranho no acto de comentar, já que pessoas há que pouco mais fazem na vida que comentar a dos outros. Em regra esquecendo-se que elas mesmas podem ser alvo dos comentários, nem sempre lisonjeiros, de outrem.
Grave mesmo foi o terem considerado um pecado, um crime, um atentado ao bom-gosto, um insulto aos olhos, a forma como aquela senhora, tão cheia de calor como os restantes, tentava da mesma forma aliviar tal incómodo.
Diziam estes nada simpáticos cavalheiros deveriam ter vergonha e tapá-lo.
“Saltou-me a tampa” e a minha barriga, volumosa, revoltou-se!
Se apenas as Vénus e os Adónis se pudessem exibir, andaríamos todos envoltos em lençóis e cobertores, ocultando de olhares críticos (estupidamente críticos e viperinos) as pequenas e as grandes informidades que possuímos.
Por outro lado, nada obrigava aqueles estetas de meia tigela a olharem quem passa. Se a sua libido era sensível ao ponto de se revoltarem com corpos alheios parcialmente descobertos, melhor seria mesmo que vivessem de olhos fechados, protegendo-se de tais “agressões”.
Mas, acima de tudo, o que ali mais importava era o ar feliz consigo mesma que aquela senhora exibia. É que, caramba, quantas mais pessoas felizes consigo mesmas existirem por esse mundo fora, menos azedume sentiremos a cada passo que damos. Ou, por outras palavras:
Quanto mais felizes os outros estiverem, mais eu próprio estarei também!
Na imagem? Não se esperaria que mostrasse a pessoa em causa. Nem as caras de quem tão obtusos comentários teceu. Prefiro mostrar apenas a cor da roupa que aquela feliz senhora usava.
Quem diz que preto é luto?

Texto e imagem: by me

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