segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ainda sobre Segurança


O presidente da Comissão de Protecção de Dados Pessoais diz que a lei chega sempre mais tarde que as tecnologias e que a concentração da informação é um cocktail explosivo
Há câmaras por todo o lado, as informações pessoais constam de bases de dados que os cidadãos não conseguem controlar e muitas empresas conseguem fazer perfis ao pormenor dos consumidores. Estarão os dados pessoais em risco de ir parar a mãos perigosas? O cenário não é bom, diz Luís da Silveira, mas não é catastrófico. E alerta para o papel que cada um tem no controlo da informação sobre si que anda por aí espalhada..
Que situações de recolha de informações pessoais são hoje preocupantes que levam a comissão a classificar o cenário como "inquietante"?
O cenário é inquietante porque há situações que em conjunto significam um constrangimento importante da privacidade dos cidadãos. A videovigilância, que se está a banalizar, a utilização de dados biométricos (impressões digitais, imagem facial, a íris, o cheiro). Temos exigido que se trate de sistemas fiáveis, que não admitam a reconversão do código informático da impressão digital no esquema real da impressão digital.
E a geolocalização?
Está na moda. A mais usada é através de RFID - identificação por rádio frequência. O carro em que o trabalhador se desloca leva um chip que transmite sinais para a central da empresa e esta sabe onde é que aquele carro está em cada momento. A razão apresentada é a gestão de frota. Mas passam a saber onde está o trabalhador, onde parou para tomar café. Estamos a discutir se isso é legítimo para controlar os menores: formalmente, os pais têm direito a reger os filhos, mas às crianças não deve ser também reconhecido o direito à privacidade?
Os trabalhadores têm que dar consentimento.
Sim, sempre, mas o consentimento do trabalhador nunca é muito fiável, porque não é suficientemente livre. Só por curiosidade, onde isto já está a ser utilizado nas pessoas é numa discoteca em Barcelona: metem um chip debaixo da pele, entram na discoteca à vontade e debitam logo no cartão os consumos. As pessoas aceitam muito mais coisas do que a gente possa imaginar.
Estabelecer um limite é cada vez mais difícil?
Sim, até porque são cada vez mais difíceis de mensurar os interesses de segurança em jogo e a verificação de que a privacidade está a ser afectada. É enorme a pressão de entidades de investigação criminal obterem informação para realizarem o seu trabalho policial e ter provas em tribunal. Os bodyscanners dos aeroportos são a última polémica.
A questão já foi posta à CNPD?
Ainda não em termos formais. Os EUA estão a pressionar a Europa para os adoptar. Da nossa parte dizemos "Atenção!", há um bulir da privacidade, porque apanha as próteses, os implantes mamários, os sacos pós-operatórios. A simples circunstância de se despojar a pessoa das suas vestes é humilhante, e, se isto se aceita, depois onde é que se vai parar?
Esta comissão chumbaria?
Eu sou apenas um membro. Dentro dos critérios da comissão, muito provavelmente esta será a perspectiva. Isto é um sistema para aplicar a todos: parece que somos todos suspeitos.
Os EUA acabarão por fazer vingar a sua pressão?
Eu esperaria que não. Os EUA têm uma percepção diferente sobre a protecção: entendem que os dados pessoais são para girar, é isso que faz mexer a economia, e só em certas áreas são muito defensores da privacidade - abusos contra crianças e defesa de segredos comerciais. Tirando isso, não há uma lei de protecção de dados, nem qualquer entidade à maneira das europeias.
Há algo que garanta que os dados não são divulgados?
Nada, de facto. Este é o problema da globalização.
Há um laxismo em relação à exposição?
Há um desvalor. Os adolescentes são muito ciosos da sua privacidade em relação aos pais mas são extremamente abertos para fora, gostam de mostrar a sua privacidade aos colegas e amigos.
É possível acompanhar com leis a velocidade a que se introduzem novas tecnologias?
Há a questão problemática e perigosa da nanotecnologia. A lei chega sempre tarde. As tecnologias têm andado sempre à frente da lei.
Em que áreas é urgente legislar?
O importante não é legislar sobre uma tecnologia, mas sobre as suas aplicações, como no chip de matrícula, que é por RFID. Talvez faça sentido o legislador pensar se as recomendações da Comissão Europeia já estão maduras.
A Comissão é o fiel da balança?
É a sua obrigação. O que nós tentamos dizer é a necessidade de o nosso Parlamento acompanhar a legislação que está a ser feita a nível europeu. Sabemos nós que posição é que os portugueses estão a defender nos grupos europeus? Está o Parlamento português a cumprir o seu papel de fiscalizar, de saber e acompanhar o Parlamento Europeu?
Gostava de trabalhar mais de perto com o legislador?
Temos procurado fazê-lo. Apesar de os nossos pareceres aos diplomas legais não serem vinculativos, até hoje a assembleia tem tido em conta a nossa opinião. Pode ter havido discordância, com certeza que há e ponderada. Mas na generalidade acompanham.
A concentração passiva de informação sobre os cidadãos é um perigo quase tão grande quanto o terrorismo?
Não sei comparar, mas lá que cria riscos acrescidos, cria, sem dúvida. Temos tido sempre particular cuidado e preocupação quando nos são apresentadas pretensões de grandes bases de dados. Há sempre o risco da fuga de informação e utilização indevida com finalidades perversas, por qualquer poder. É um cocktail explosivo.
Os dados pessoais em Portugal estão hoje protegidos?
Do ponto de vista legal, sim. Foi a primeira Constituição a protegê-los. A grande questão é a aplicação e isso é da responsabilidade da Comissão, mas é claro que a protecção de dados não pode estar assegurada por uma equipa de 30 pessoas. A defesa dos dados pessoais tem que começar sempre nos próprios., nunca chegarão os tribunais e instituições deste género para o garantir.
Se metade dos pedidos é de videovigilância, os portugueses estão hoje com medo?
O sentimento de insegurança se calhar não corresponde à insegurança existente, agora que esse sentimento se instalou não há dúvidas.
E é aproveitado para cada dia se apertar esse direito à privacidade?
É sempre mais fácil quando temos medo. É isso que temos visto estar a acontecer a alguns níveis. E por isso dizemos que o número de pedidos de videovigilância é desproporcionado.
Somos de facto tratados como suspeitos?
Não há uma perspectiva generalizada, o que acontece é que em relação a certas iniciativas, até parece que somos todos suspeitos. Como nos bodyscanners: todos os que vão andar de avião são suspeitos?


Texto in: http://www.publico.pt/
Imagem: edit by me

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