sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Raridades


Há anos que não vejo um dos de roda. Daqueles empurrados à mão e em que a roda grande, quase que de carroça, quando usada para o trabalho, é impelida por um pedal para dar movimento ao esmeril onde são afiadas tesoira e navalhas.
A única referencia que a esses encontrei, nos últimos tempos, foi o desenho tosco pintado numa tabuleta de uma loja do ramo, ali para os lados da Alameda.
Já vai sendo incomum encontra-los na versão seguinte: bicicleta. De quando em vez lá aparece um no meu bairro, mas rareia como freira em casino. Para quem quiser ver como são, encontrará uma semi-abandonada, algures num pátio, ali para os lados do bairro de Alvalade.
A versão corrente é motorizada. Na verdadeira acepção da palavra. Uma motorizada, em regra já velha, que transporta amolador, ferramentas e esmeril, este movido por uma correia de transmissão ligada à roda motriz. Menos esforço, mais rapidez e mais bairros suburbanos percorridos por dia.
Este que aqui vedes é original pela certa. Pelo menos ainda não havia visto este modelo, menos ainda com esta publicidade. Poderá não ser um clássico, mas é garantido que prende o olhar!
Mas, nos bairros que percorrerá, os clientes e as clientes não são chamados por aquilo que vêem mas antes por aqui que ouvem. A gaita do amola tesoiras e navalhas é única e a sua melodia tão típica como os velhos pregões da cidade. E, destes, já só restam os das castanhas assadas, agora já não nos velhos assadores de barros e embrulhadas nos jornais mas apenas nos anti-sépticos aço inox e folhas brancas e impolutas.
Durante anos procurei uma dessas gaitas. Primeiro por mera curiosidade, depois com a tenacidade do teimoso que sou. Corri todas as lojas de instrumentos musicais, as conhecidas e as que me foram indicadas. Fui a todas as lojas de brinquedos, grandes e pequenas. Calcorreei todas as feiras, citadinas ou saloias. Nada! Já não há, disseram-me. Só vendemos instrumentos afináveis, também ouvi. Coisa nenhuma!
Até que um dia, de conversa com um colega, ele me disse que tinha uma lá em casa, já velhota e meio partida. Logo lha pedi emprestada para, ao menos, a fotografar.
Uns quinze dias depois, ainda à espera da inspiração para a fotografar, passei pela feira da ladra. E não é que dou com uma, no meio de muita traquitana, mas em excelente estado? Claro que a comprei, após uma pequena disputa sobre o preço: dois euros e meio. E foi encostar em casa, junto com a outra, à espera de uma boa barrela e de inspiração, que ainda não sei como as abordar.
O que acaba por ter graça é que, algum tempo depois, pouco, dou com uma terceira. Numa feira de velharias e antiguidades (veja-se o meu sorriso amarelo ao dizer “antiguidades”). Conversa vai, conversa vem, e acabei por perguntar pelo preço. Não que, de facto, a quisesse comprar. Com duas em casa, esta só teria piada por ser de outras cores. Mas quando me pediram quinzes euros por ela, ri-me. A gaita era dele mas o dinheiro meu, pelo que ele ficou com ela e eu com ele.
Ainda um destes dias (convém que não demore muito) pegarei a sério nas que lá tenho em casa e as fotografarei. Bem como farei soar o pregão musical. Não que perceba eu algo de música, mas há-de sair afinado, pela certa.
Até lá, fiquem com uma peça rara do ofício de amola tesoira e navalhas. E remendador de tachos e guarda-chuvas.
Mas se tiverem mesmo urgência num destes serviços, sempre vos recomendo uma lojinha, ali na rua Francisco Sanches, a Arroios, Lisboa. Bom trabalho, simpatia e, de brinde, poderão vivenciar neste bairro antigo um ponto de encontro e cavaqueira de vizinhos e morada postal de quem, nas imediações, vive em quartos alugados. Um mimo, aquela loja.
Uma raridade, como este amola tesoiras e navalhas!


Texto e imagem: by me

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