terça-feira, 5 de maio de 2009

Partilhas


“Não se importa de me dar lume?”
Cinquentona, quiçá mais, muito pintada, estava sentada num murete baixo do cais da estação cá do meu bairro.
E, enquanto acabava de abrir o maço de cigarros e de tirar um, acrescentou:
“Sabe, devo ter um isqueiro aqui na mala, mas não há jeito de dar com ele.”
A mala em questão estava no chão, entre as suas pernas. Enorme e disforme, mostrava uma capacidade de conter objectos apenas usada pela metada. O que significava, a olho nú, que deveria conter meia infinidade de objectos insuspeitos.
Dei-lhe lume, que entre fumadores é daquelas coisas que não se recusam, e continuei o meu deambular pelo cais, tentando com isso matar o tempo até à chegada do comboio.
E, quando de regresso do seu extremo, vejo-a de novo de conversa com um passante. Desta feita um rapazola que se debruçava sobre ela, suspeito que para manter o tom da conversa em reservado.
Deveria ter sido ele a aborda-la, já que, e ainda que à distância, a vejo a rebuscar no seu malão meio cheio e a dele retirar o maço de cigarros. E a dar-lhe um.
Ficou ela, sentada, com o malão entre pernas. Seguiu ele um pouco mais à frente, para outro ponto do murete onde, sentando-se, o acendeu com um isqueiro que tirou do bolso das calças.

Entre fumadores é assim. Uns dão lume, outros cigarros, dependendo do tom do pedido e da disposição de quem oferece.
O pulmão, esse, cada um com o seu, que nada de promiscuidades.



Texto e imagem: by me

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