quinta-feira, 30 de abril de 2009

Queixumes


Ser administrador do condomínio em que se reside é uma questão de sorte.
Se tudo correr bem, se todos pagarem as suas quotas atempadamente, se nada se avariar seriamente, é uma lindeza. Manter a contabilidade em dia, os contratos de energia e água, bem como os dos elevadores e higiene, uma ou outra lâmpada fundida ou interruptor avariado. Nada demais.
Se o azar nos bater à porta, pode ser mais complicado. Reparações de telhado, pinturas exteriores, infiltrações de água, avarias na maquinaria, faltas de pagamento... Implica o dispêndio de mais tempo, mais contactos, conversas não tão boas ou mesmo agrestes, acompanhamento de obras em todas as suas fases... Uma seca! Ou uma molha, dependendo da época do ano.
Agora se o azar nos bater à porta e entrar acompanhado da falta de sorte, do Zodíaco aziago, de mau-olhado e espíritos conjurados, aí... Bem, aí as coisas começam a cheirar mal!

Não, não é apenas uma figura de estilo. Quando digo “cheirar mal” é isso mesmo que quero dizer: mau cheiro, aromas nauseabundos, odores pestilentos!

Num outro prédio onde morei, fui administrador por duas vezes. Numa delas tive que substituir o telhado por inteiro, com tudo o que implica lidar com empreiteiros não muito honestos e acompanhar os trabalhos bem de perto.
Na outra, entupiram os esgotos. Não me refiro aos esgotos de um apartamento, nos sanitários, com o consequente levantar de azulejos, partir de loiças, molas desentupidoras e mangueiras de alta pressão.
Refiro-me mesmo ao esgoto colectivo, abrangendo todo o prédio. Nove pisos, a quatro apartamentos por cada um, acrescidos de duas lojas, uma das quais um cabeleireiro, fazem muita porcaria.
Se a construção do esgoto colectivo não for cuidada, se possuir alguma curva mais apertada e se os utilizadores mandarem pelo cano todo o tipo de dejectos e detritos, incluindo os inorgânicos, cedo ou tarde entope. E aí a coisa cheira mesmo mal, já que transborda na primeira saída a montante que encontra livre, as mais das vezes nas caves onde se situam as arrecadações. E como elas não são acedidas diariamente, quando se dá pela coisa, já a coisa dá pelo tornozelo, um mar de coisas indescritíveis e, no mínimo, repugnantes.

E tinha que me tocar no meu período de administração! Que fazer?
Não sabendo se a questão era na zona privada do edifício se na zona pública de responsabilidade municipal, comecei por contactar os serviços públicos.
Foram céleres no atendimento e lá vieram com as suas máquinas e marretas, bombas e mangueiras, botas até à virilha e máscaras apropriadas. E lá descemos até à antecâmara do inferno. Eles equipados para estas aventuras, eu não tanto nem tão habituado a estas andanças.
Apesar de o problema se situar na zona do condomínio, resolveram-no.
Com um linguajar atroz, apropriado à matéria em manobra, mas uma bonomia e bom-humor insuspeitos, resolveram a coisa em quatro tempos: sugar, partir, desentupir, reparar.

Ao vê-los, e a mim mesmo, naqueles propósitos, com aquelas tarefas e com aquela matéria, não pude deixar de pensar:
Recebem o salário mínimo; lidam com a imundice dos outros cidadãos; erradamente, são considerados o último degrau da escala social, pouco faltando para serem votados ao desprezo; fazem uma tarefa que eu, e todos os outros, só faríamos em último caso, em desespero e se nos batesse à porta.
E, apesar de tudo isto, ainda conseguem trabalhar e contar anedotas, rir e manter o bom-humor, terem atitudes de solicitude para com quem é apanhado nestas situações e, no final, recusarem gratificações para além da tabela oficial.

Quem é que anda por aí a queixar-se? E de quê?
De barriga cheia e de mãos lavadas, provavelmente!


Texto: by me
Imagem: algures na web

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